Caboclinhos agitam observadores de aves no interior de São Paulo


Brejo em Indaiatuba reúne sete espécies. Aves vêm de diferentes partes do Sudeste e do Brasil Central em direção ao Sul, fazendo uma “parada” na cidade durante o processo de migração. Caboclinho-de-papo-branco (Sporophila palustris)
Rubens Galdino
Quando o avião faz uma parada antes de chegar ao destino, nós chamamos de conexão. Mas e quando uma ave faz isso? É o que acontece em uma área de brejo no Distrito Industrial de Indaiatuba (SP), onde sete espécies de caboclinhos se encontram e fazem uma “pausa na migração” antes de partirem para o Sul do continente e se reproduzirem lá.
A presença de tantas espécies no mesmo local tem chamado a atenção de centenas de observadores de aves de diferentes estados. Todos os anos é assim, mas 2024 reserva algumas surpresas extras, com a presença de uma variedade maior do que a habitual.
Observadores de aves na linha do trem, em Indaiatuba (SP), no sábado (2), Dia de Finados
Thiago Arruda
Além disso, o “aeroporto de caboclinhos” também atraiu um grupo de pesquisadores que veio do Rio Grande do Sul para tentar entender melhor a rota de migração de algumas dessas aves.
As espécies que puderam ser avistadas no local nesta temporada são: caboclinho-branco, caboclinho-de barriga-vermelha, caboclinho-de barriga-preta, caboclinho-de-papo-branco, caboclinho e caboclinho-de-chapéu-cinzento. Alguns machos já apresentavam padrões de plumagem reprodutiva.
De acordo com o ornitólogo Marcio Repenning, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), é muito provável que essas aves pousem e passem um tempo no local para se alimentar de sementes de capins nativos e exóticos presentes na área. Outro atrativo é a disponibilidade de água corrente para beber e se banhar.
O gosto por sementes está presente no nome científico dessas aves, já que a palavra Sporophila deriva de duas raízes gregas: sporos, que significa “semente”, e philos, que significa “amante” ou “amigo”. Portanto, Sporophila pode ser traduzido como “amigo das sementes” ou “aquele que gosta de sementes”.
Caboclinho-de-chapéu-cinzento (Sporophila cinnamomea)
Rubens Galdino
“Além disso, essas áreas de ferrovia que tem uma faixa de domínio acabam impedindo que se tenha gado ou algum tipo de cultivo e aí fica à mostra a vegetação aberta daquele lugar, e eles vão ficando. Então quando um ou dois começam a se alimentar, eles se comunicam e mais indivíduos vão descendo por ter essa quantidade grande de sementes”, explica Marcio.
Conhecidos por fazerem grandes migrações, os caboclinhos se reproduzem em uma região que abrange o sul do Brasil (PR, SC e RS), a Argentina e o Uruguai. Após o período reprodutivo, que vai do início de novembro até o final de fevereiro, os indivíduos migram sentido Norte, rumo a áreas de invernada localizadas principalmente no Cerrado do sudeste e centro-oeste do país.
Desde 2017, a bióloga e observadora de aves Rafaela Wolf de Carvalho acompanha anualmente a chegada das espécies a Indaiatuba. Ela ressalta a importância da preservação do habitat dos caboclinhos e também do birdwatching para proteção indireta dessas aves, que são muito visadas por traficantes por conta dos cantos elaborados.
Moradora de Indaiatuba (SP), Rafaela Wolf de Carvalho é bióloga e observadora de aves
José Ferreira/TG
“A presença dos observadores e de pesquisadores não impede a presença de gaioleiros, mas acaba inibindo. A gente também conversou com a prefeitura, com a guarda ambiental e proprietários da área. Então a gente está tentando arrumar formas de fortalecer essa conservação”, diz.
“Nos últimos anos, temos percebido a diminuição do número de caboclinhos que visitam o local… Isso pode ser devido a diversos fatores diferentes, mas outra coisa que notamos é que as áreas com os capins dos quais eles se alimentam também estão diminuindo por aqui a cada ano”, completa.
A Prefeitura de Indaiatuba informou que tem conhecimento de que esses pássaros migram para a cidade todos os anos, mas não tem nenhum projeto ou iniciativa específica. Afirmou também que já foram registradas mais de 300 espécies de aves na cidade, um indicativo da qualidade de vida local.
As espécies caboclinho-de-barriga-vermelha, caboclinho-de-barriga-preta e caboclinho-de-papo-branco estão classificadas como Vulneráveis (VU) à extinção, segundo o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve) do ICMBio.
Caboclinho-de-barriga-preta (Sporophila melanogaster)
Thiago Arruda
Rastreamento por penas
O motivo dessa e de outras viagens do grupo de biólogos está na pesquisa de Mariana Lopes Gonçalves, doutoranda da FURG, orientada por Marcio. Além de estudar a migração do caboclinho-de-papo-branco, a ornitóloga tenta entender questões que envolvem o sucesso reprodutivo da espécie e como as mudanças climáticas devem afetar seu habitat.
Por meio da análise de penas, que guardam informações sobre a alimentação da ave, Mariana vem mapeando áreas e rotas de migração da espécie ao cruzar esses dados com a disponibilidade de cada tipo de alimento no país. Assim, é possível saber por quais locais ele foi pousando.
Marcio Repenning e Mariana Lopes Gonçalves fazendo o anilhamento de um caboclinho
José Ferreira/TG
“A gente pretende colocar geolocalizadores neles agora para recuperar depois. Eles são fiéis à área de reprodução, então todos os anos eles voltam para o mesmo lugar. A gente coloca em um ano e recupera no outro”, explica Mariana.
Mas antes de qualquer análise ser feita, é preciso capturar os caboclinhos. Para isso, ela e Marcio utilizaram uma rede de neblina. O equipamento, que se assemelha a uma rede de pesca, é formada por fios extremamente finos e fica estendida entre hastes. Quando as aves voam por ela, acabam ficando presas e são retiradas da rede rapidamente.
Rede de neblina auxilia na captura de espécimes para estudo
José Ferreira/TG
Tiradas as medidas e coletadas as amostras necessárias, a ave capturada é anilhada e solta. Outro fator que é analisado é o estágio da troca de penas dos machos, que mudam a plumagem anualmente para atrair a fêmea da espécie na época de reprodução.
Além do padrão de plumagem e do canto serem diferentes, cada espécie de caboclinho também tem sua própria área de reprodução. Para o professor da FURG, tudo isso contribui para evitar que uma espécie cruze com outra, o que algumas vezes acontece. Desse comportamento nascem os híbridos, indivíduos com características misturadas na plumagem quem intrigam os observadores de aves.
O “point” dos caboclinhos em Indaiatuba tem movimentado os grupos de WhatsApp dos observadores de aves, que trocam informações constantemente sobre o lugar. Além disso, agora uma nova missão foi lançada: quem será que fará a primeira foto de um caboclinho anilhado? Na natureza, pesquisa se mistura com a aventura, sempre com o foco de cuidar desses seres cheios de encanto.

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