O algoritmo como traficante: porque é preciso legislar sobre os danos das redes sociais

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Durante décadas, a educação dos jovens foi uma responsabilidade dividida entre Estado e família. Nos últimos anos, porém, um novo agente se impôs nesse campo — não eleito, não supervisionado, e com interesses puramente comerciais: o algoritmo das redes sociais. Instagram, TikTok e afins não são apenas ferramentas de comunicação. São estruturas sofisticadas de captação de atenção e manipulação emocional. Ao contrário do que dizem seus defensores, não são neutras. O feed é meticulosamente projetado para gerar engajamento — e, com ele, dependência.

A comparação pode parecer provocadora, mas não é descabida: as redes sociais operam como um tráfico de “drogas leves” digitais. Entregam doses diárias de dopamina, moldam comportamentos e alimentam ciclos viciosos. Como um traficante que começa oferecendo “de graça”, a recompensa vem com o vício — e com a deterioração mental que, aos poucos, se instala.

Pesquisas em psicologia e neurociência já indicam efeitos estatisticamente significativos: aumento de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares, perda de autoestima, automutilação e até correlações com suicídios entre adolescentes. O conteúdo não é o único problema. A forma como ele é “servido”, no tempo exato, com gatilhos personalizados, é parte do mecanismo de adição.

Diante disso, impõe-se uma pergunta: por que ainda não regulamos isso como sociedade? Há precedentes jurídicos para tratar desse tipo de dano. O ordenamento brasileiro, por exemplo, já prevê crime de indução ao suicídio. Não seria absurdo, portanto, discutir uma nova tipificação penal para indução digital a comportamentos autodestrutivos — especialmente quando comprovada a relação causal entre o funcionamento de plataformas e seus efeitos psicossociais.

Outra via possível seria considerar esse fenômeno como uma forma de “poluição digital” — um conceito ainda incipiente, mas promissor. Da mesma forma que empresas são responsabilizadas por danos ambientais ou por produtos nocivos à saúde, por que não responsabilizar plataformas que degradam o ecossistema mental de milhões de jovens?

Mas há um aspecto igualmente fundamental: não podemos tratar as redes sociais apenas como o vilão. Precisamos fazer delas parte da solução, e não apenas o gerador do problema. A resposta mais eficaz não virá apenas da regulação impositiva, mas da construção de soluções conjuntas com as próprias plataformas. Cooptar os grandes players digitais, envolvê-los em códigos de conduta, metas de segurança emocional e transparência algorítmica — eis um caminho mais sustentável e realista.

É claro: qualquer avanço nessa direção exige evidências robustas. Mas elas já começam a aparecer. Estudos científicos e relatórios internos vazados por ex-funcionários mostram que as empresas sabem do dano, mas preferem lucrar com ele. Como aconteceu com o cigarro e os refrigerantes açucarados, talvez estejamos apenas no início de um processo de conscientização social que culminará, inevitavelmente, em regulamentação.

E aqui entra uma dimensão frequentemente ignorada: proteger os adolescentes hoje é investir no capital humano de amanhã. Jovens emocionalmente estruturados tendem a se tornar adultos mais produtivos, criativos e resilientes. Em termos puramente econômicos, isso significa um impacto positivo sobre o crescimento de longo prazo do PIB, da inovação e da geração de lucros — inclusive para as próprias empresas que atuam no mercado. Ignorar essa equação é um erro estratégico de grandes proporções.

O desafio será enfrentar o lobby das big techs. Mas a urgência é maior. Estamos falando de uma geração inteira sendo educada — ou deseducada — por algoritmos que maximizam lucros às custas da saúde mental.

Não se trata de moralismo nem de nostalgia. Trata-se de proteger o que há de mais vulnerável em uma sociedade: seus adolescentes. Se a lei não for capaz de agir agora, o preço será pago mais adiante — em clínicas, hospitais, estatísticas de suicídio, em produtividade perdida e numa juventude sacrificada em nome do engajamento. Afinal, até mesmo o antigo lema do Google — “Don’t be evil” — pode ter sumido da capa, mas continua lá, discretamente, nos seus documentos oficiais. Talvez seja hora de levá-lo a sério.

*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam

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