Cosentino: “Precisamos acreditar mais no Brasil”

Laércio Cosentino, fundador e presidente do conselho de administração da Totvs, foi um dos palestrantes do Fórum da Liberdade, que acontece em Porto Alegre entre os dias 3 e 4 de abril, e concedeu uma entrevista exclusiva ao Baguete durante o evento.

O empresário falou sobre empreendedorismo e política setorial, destacando o Plano Brasil Digital 30+, que propõe uma estratégia de tecnologias digitais para acelerar o desenvolvimento econômico e social do país.

“A gente propôs para o governo criar um plano pensando que o Brasil precisa passar por uma transformação digital. Mas não é só as empresas, é o país como um todo. Então nós estamos agora terminando a fundação de uma associação com Brasscom, ABES, Febraban, CNI, Fiesp e Todos pela Educação. Tem mais outros cinco, seis que vão entrar como fundadores”, adiantou Cosentino durante sua apresentação. 

Entre as pautas do projeto, estão a definição da infraestrutura necessária para que o Brasil seja competitivo, quais tecnologias vão fazer a diferença, onde investir em pesquisa e desenvolvimento, como capacitar as pessoas e como reter os talentos brasileiros no país.

“A grande bandeira agora é um plano que transforme o Brasil para que ele seja um país competitivo”, afirmou Cosentino. 

Confira a entrevista completa:

Qual a importância de estar aqui hoje no Fórum da Liberdade? 

É importante para a agenda setorial e também da própria Totvs, para estarmos cada vez mais divulgando todo esse trabalho do Plano Brasil Digital 30+, que muda o ponteiro do país. E aqui o Fórum da Liberdade é um ótimo momento para expor novas ideias. Com certeza, se você pegar a idade média de todo mundo que está aqui, vai poder fazer mais eco e aí ter sucesso.

A sua apresentação foi bastante focada em empreendedorismo. Como empreender nesse mundo em constante transformação?

Hoje em dia tem muito mais competição do que foi no passado. Até pela disputa pelo capital mas, ao mesmo tempo, o mundo está numa constante revolução, não é nem evolução. E isso faz com que tudo que você está pensando em fazer, pensando em criar, pode ser que na semana seguinte já não tenha mais sentido. Então, a velocidade está muito rápida. Muitas vezes, para empreender, é preciso analisar se aquilo é um produto ou é uma empresa. Pode ser que você pense no início que aquilo vai ser uma grande empresa, mas descobre que se transformou em um produto. Por quê? Porque o mundo mudou. E não é só o mundo, a tecnologia evoluiu, é o comportamento social mudando. As posições políticas, o desafio de conviver, de se relacionar, o conceito de consumir ou simplesmente criar patrimônio, carreira ou experiência. Então tudo isso faz com que empreender hoje, com certeza, exija muito mais. Você está constantemente avaliando pessoas para ver se realmente está conseguindo desenvolver algo que vai agregar a essa sociedade.

Na época em que a Totvs foi criada, o cenário era mais favorável?

Lá atrás tinha mais dificuldade de captar dinheiro. Nem dificuldade, na verdade não existia. Isso obrigava você realmente a criar coisas que geravam receita num curto espaço de tempo. Necessitava reinvestir tudo aquilo que estava ganhando. E tinha que ter muita determinação. Hoje tem mais acesso a fontes de financiamento, mas tem uma competição muito maior. E a competição neste momento, principalmente com a transformação digital e o mundo sem fronteiras, poder trabalhar em casa, não precisar ter nada presencial. Você pode estar morando na Inglaterra e trabalhando em uma empresa brasileira. Pode estar na Rússia trabalhando em uma empresa na Europa e assim sucessivamente. Então hoje não é mais fácil ou mais difícil. Hoje tem uma maior competitividade, porém tem um lado financeiro mais desenvolvido do que tinha no passado. Então são coisas que dependem muito da determinação, do foco e da entrega.

O que está faltando no Brasil para a gente ter mais exemplos como a Totvs?

Temos que acreditar um pouco mais no Brasil. E um ponto que está acontecendo é que excelentes talentos brasileiros estão deixando o Brasil. Então o movimento que aconteceu em 2008, com a crise lá fora, que os brasileiros retornaram para cá, criou um momento excepcional para o Brasil. A gente precisa desenvolver, capacitar brasileiros, mas criar mecanismos para que eles continuem no Brasil. Hoje muitas vezes você treina, treina, treina e as pessoas vão para fora. Então temos que ter um país mais viável, um Brasil mais igual, um Brasil com maior segurança e um Brasil com menos viés político. Um país que tenha um plano de futuro.

Você enxerga, na leva atual de startups, gente com potencial de ter uma empresa como a Totvs?

Sim. A própria Mendelics, por exemplo, que nós investimos, é a maior empresa de genoma brasileira. São fundadores técnicos excelentes que viram no genoma uma maneira de você ter resultados em prol da saúde humana. Então tem muita coisa legal acontecendo aqui, mas precisamos acreditar um pouquinho mais. Um lado importante também é que muitas das startups feitas aqui no Brasil têm sede fora do país. É feito aqui, mas está em Ilhas Cayman, está na Flórida e assim sucessivamente. Então precisamos ter um programa e a gente vem trabalhando no Plano Brasil Digital 30+ para conseguirmos reter aqui dentro conhecimento, empresas e, com isso, ter uma melhor distribuição de renda.

Essa deve ser a próxima bandeira das empresas do setor de tecnologia perante o governo?

É a grande bandeira não só do nosso setor, mas também com os outros setores. Porque a transformação digital acontece em todos os setores. Então, se a gente quiser ter um Brasil mais competitivo, nós temos que ter um país transformado. Um Brasil que pense em infraestrutura, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, capacitação de pessoas, inclusão social e ambiente de negócio. Então a grande bandeira agora é termos um plano que transforme o Brasil para que ele seja um país competitivo. É isso que nós estamos fazendo.

E isso é pensando no longo prazo?

Na realidade é curto, médio e longo prazo. Quando você fala agora, a política de atrair data centers, por exemplo, é imediata. A gente precisa ter capacidade computacional. Quando falamos de tecnologia, tem muita coisa que está sendo desenvolvida. Então todo esse plano tem ações de curto, médio e longo prazo, com resultados que podem mudar o ponteiro. O Brasil não pode deixar para decidir isso daqui a cinco, 10 anos.

O setor de tecnologia é gigantesco no Brasil, mas você acha que a influência dele na política é proporcional ao seu tamanho?

Eu acho que não é a capacidade de influenciar a política, porque a política hoje em dia está muito desequilibrada. Ou você está na extrema esquerda ou na extrema direita. Então a gente teria que buscar um equilíbrio e colocar o país em primeiro lugar. Eu sei que não é simples e não é o setor tecnologia que vai fazer isso. Acho que é a própria sociedade que tem que colaborar. O setor de tecnologia pode colaborar porque temos a transformação digital e, com isso, conseguimos ter uma melhor distribuição de renda. Porque o salário de todo mundo que trabalha com tecnologia é maior do que quem não trabalha com tecnologia. Eu acho que essa é a nossa contribuição. E trabalhar para que a sociedade acorde, que não esteja nem no pêndulo para o lado esquerdo, nem no pêndulo para lado direito. Que pensemos em um plano de país.

De um lado, temos o setor de tecnologia precisando de mão de obra. De outro, as pessoas precisando de emprego. Como fazer essa conta fechar?

Se hoje nós tivéssemos entre 200 e 250 mil pessoas treinadas em Tecnologia da Informação, com conhecimento de inteligência artificial, comunicação e uma série de coisas, estariam empregadas no dia seguinte. Tem que fazer essa conta fechar capacitando, atraindo. Agora, é lógico que tem programas de curto prazo, mas a gente tem que ir lá atrás, lá no início, e tentar ter a carreira de exatas. Melhorar a nota do Enem na parte de exatas. Incentivar a menina, o menino a querer se desenvolver em tecnologia. Porque a tecnologia está em tudo. Então você vai fazer tecnologia para trabalhar no agronegócio, na indústria, no varejo, na saúde e assim por diante.

Outro tema que você abordou na apresentação foi o modo de se trabalhar. Na pandemia, houve uma ida muito grande para o home office e, agora, existe um grande movimento retorno ao escritório. Qual é a sua visão sobre esse assunto?

Temos que entender o momento do mundo e o comportamento social. Não adianta dizer “eu quero que todo mundo volte para o escritório” se a sociedade, se os teus colaboradores de repente não pensam dessa maneira. É a mesma coisa que fazer um produto que hoje em dia ninguém quer. Então acho que o trabalho está indo nessa linha também, onde você vai ter que contemplar a maneira que as pessoas querem viver versus o resultado que as empresas querem entregar e ter um equilíbrio. A gente não tem que trabalhar hoje mais em coalizão, eu detesto essa palavra. Toda vez que tem coalizão não tem uma coisa duradoura. Vamos buscar um equilíbrio. Então a força de trabalho hoje, tanto quem trabalha quanto quem emprega, tem que sentar na mesa, tem que ter um equilíbrio. E esse equilíbrio é o que vai fazer os dois lados se unirem.

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