China e África do Sul criam link de satélite quântico intercontinental mais longo do mundo

Cientistas da China e da África do Sul realizaram um marco histórico na tecnologia da informação: a primeira conexão de comunicação quântica intercontinental no Hemisfério Sul. Utilizando o microssatélite chinês Jinan-1, lançado em órbita baixa, foi possível estabelecer um canal ultrasseguro de 12.900 km de extensão entre os dois continentes.

O avanço foi publicado na conceituada revista científica Nature e representa a mais longa ligação de satélite quântico já feita entre dois pontos no globo. A conquista reforça ainda mais as recentes façanhas da China no setor de comunicação quântica e abre novas possibilidades para aplicações civis e estratégicas no futuro.

Como funciona a comunicação quântica

Diferente dos métodos tradicionais, essa tecnologia emprega a Distribuição Quântica de Chaves (QKD), baseada em propriedades fundamentais da mecânica quântica. Em resumo, ela utiliza fótons únicos — partículas de luz — para criar e transmitir chaves criptográficas que não podem ser interceptadas ou replicadas sem detecção imediata.

O sistema usa fótons únicos que não podem ser interceptados, copiados ou medidos sem alterar seus estados quânticos, garantindo uma segurança sem precedentes

O satélite Jinan-1, centro dessa operação, então transmite fótons com informações criptográficas e também realiza comunicação óptica bidirecional em tempo real, permitindo a extração e uso das chaves durante uma única passagem orbital.

Reprodução/Nature

1. Fonte de fótons com laser único

O coração do sistema é um emissor de fótons quânticos baseado em um único diodo laser, que opera a 625 MHz — frequência muito superior à usada em missões anteriores, como o Micius.

O laser é modulado externamente para gerar três estados de intensidade: sinal, decoy (isca) e vácuo, conforme a teoria de decoy-state QKD. A codificação da informação é feita por meio de modulação de fase e polarização, utilizando interferômetros de Sagnac, o que garante alta fidelidade e robustez no espaço.

2. Compensação de polarização em tempo real

Uma das inovações técnicas mais importantes foi a compensação ativa da polarização dos fótons, que pode ser afetada pelo movimento relativo entre satélite e estação. Isso foi resolvido com um sistema de três placas de onda motorizadas a bordo do satélite, além de outra no terminal terrestre.

Com isso, o sistema corrige automaticamente a rotação dos estados quânticos, entregando alta precisão durante toda a passagem orbital.

3. Rastreio e apontamento com precisão de microrradianos

Outro desafio superado foi o rastreamento preciso entre satélite e estação, que exige alinhamento milimétrico.

A equipe usou um telescópio de 200 mm a bordo e um sistema de rastreamento com espelhos de resposta ultrarrápida e câmeras de alta frequência (até 2000 Hz).

O resultado foi uma precisão de apontamento entre 0,55 e 1,6 microrradianos, suficiente para manter o feixe quântico estável mesmo com os distúrbios atmosféricos.

4. Estações terrestres portáteis

As estações ópticas no solo foram reduzidas de 13 toneladas (modelo anterior) para apenas 100 kg, o que permite transporte e instalação em locais remotos ou urbanos com agilidade.

Mesmo com essa portabilidade, os sistemas mantêm eficiência óptica de 49% e utilizam filtros, telescópios e detectores com precisão de até 350 ps de “jitter” temporal.

5. Multiplexação óptica e sincronização de tempo

Os lasers quânticos e clássicos compartilham o mesmo canal óptico por meio de multiplexadores de comprimento de onda, reduzindo complexidade e peso. A sincronização entre satélite e solo atinge precisão de 100 picosegundos, usando pulsos de sincronização inseridos nos lasers de comunicação clássica. Isso garante a coleta precisa dos fótons e a separação das chaves em tempo real.

6. Destilação de chaves em tempo real

O grande avanço operacional do Jinan-1, por fim, foi a capacidade de gerar, autenticar e compartilhar chaves seguras em tempo real, algo que demorava dias em missões anteriores.

A transmissão inclui algoritmos de correção de erro (LDPC), autenticação digital e verificação cruzada entre satélite e estação.

Após todos os passos, as partes envolvidas compartilham chaves secretas 100% compatíveis, validadas por verificação de redundância cíclica (CRC).

Microssatélite leve, estação portátil e resultados impressionantes

O Jinan-1 é um satélite extremamente compacto, com apenas 23 kg de carga útil, lançado em 2022. A ele se conectam estações terrestres portáteis com cerca de 100 kg — uma redução significativa em comparação às estruturas anteriores, como o satélite chinês Micius (250 kg de carga útil e 13.000 kg de estação terrestre).

Durante os testes realizados em outubro na cidade de Stellenbosch, na África do Sul, foram trocados até 1,07 milhão de bits seguros em uma única passagem do satélite, em tempo real.

Stellenbosch – Reprodução/South Africa Tourism

Em testes mais amplos, o pico registrado foi de 592.384 bits distilados com sucesso em uma única órbita.

Bidirecional e em tempo real: o diferencial da nova geração

Como vimos acima, o que temos de diferente nessa nova geração de comunicação quântica está na bidirecionalidade dos dados e no processamento em tempo real.

O Jinan-1 realiza comunicações ópticas simultâneas com as estações usando dois comprimentos de onda distintos: 812 nm para o downlink (satélite-terra) e 1538 nm para o uplink (terra-satélite), eliminando a dependência de links via micro-ondas.

A sincronização temporal atingiu uma precisão de 100 ps, vital para minimizar erros de leitura dos fótons. O processo de destilação de chaves seguras é feito em tempo real e permite uso imediato em aplicações como criptografia e comunicações militares.

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China avança para uma constelação quântica global

A parceria com a África do Sul é estratégica não apenas por seu valor técnico, como ainda por ampliar a presença da tecnologia quântica no Hemisfério Sul, um território até então fora do radar desses experimentos.

Com isso, a China fortalece ainda mais seu plano de criar uma constelação de satélites quânticos, possibilitando uma “internet quântica” global e segura num futuro próximo.

Além disso, o sistema foi projetado para ser integrado em outras plataformas, como estações espaciais e constelações de satélites comerciais, o que sugere um futuro de comunicação quântica acessível a empresas, governos e cientistas do mundo todo.

Fonte: Nature

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