“Tucanos divergem até sobre como extinguir um partido”

Jornalista Ricardo Corrêa:

“Na noite de 24 de junho de 1988, quando políticos descontentes com os rumos do PMDB se reuniram para fundar o PSDB, não conseguiram bater o martelo sobre um nome. Havia uma disputa acirrada entre Partido Democrático Popular (PDP) e a sigla que acabou sendo formalizada. Na votação daquela noite, por 242 votos a 228, havia vencido a primeira opção. Só no dia seguinte, data oficial da fundação, haveria uma segunda votação em que seria instituído o nome Partido da Social Democracia Brasileira.

Agora, 37 anos depois, quando o partido parece caminhar para a extinção, as divergências persistem. Figurões da legenda debatem se já é o momento de desligar os aparelhos, discutem homenagens à sigla e articulam como será o enterro. Entre idas e vindas, como a de Marconi Perillo que, repentinamente, saiundo barco dos que alinhavavam uma alinça que çevria à incorpração com o PSD para o daqueles que agora acham que ainda não é hora de fechar o caixão tucano.

Isso não significa que as divergências sobre como conduzir as coisas tenham levado a sigla ao estágio terminal. Em tempos em que a polarização exacerbada espanca qualquer possibilidade de diálogo, estar em cima do muro, como jocosamente se diz dos tucanos, não é necessariamente um problema. Maturar as ideias antes de decidi-las em rompantes talvez tenha sido exatamente o que faltou nos momentos-chave que marcaram o calvário da sigla, que foi de um dos partidos mais importantes da história da democracia brasileira a uma sigla de média a pequena no momento atual.

Não foi por cultivar essa aparente indecisão (ou capacidade de reflexão) de seus fundadores que o PSDB caminha para o fim, mas por abandonar, sobretudo ao longo da última década, alguns dos preceitos pregados por aqueles que, lá atrás, plantaram a semente que levou o partido a dois mandatos presidenciais e ao comando dos dois maiores Estados do País por décadas.

Em 19 de junho de 1988, na primeira vez em que a sigla PSDB apareceu no Estadão, ainda como uma das alternativas para o nome da sigla que seria fundada uma semana depois, a deputada Guiomar Namo de Mello bradava: ‘Vamos acabar com o ranço herdado dos tempos do Brasil do coronelismo’. José Maria Monteiro, membro da comissão encarregada de redigir o estatuto da sigla, completava: ”Toda a estrutura será voltara para as bases (…). A ideia é que o partido tenha candidatos que sejam mais que individuais, do próprio partido”. Condizente com uma legenda que nascia pregando o parlamentarismo no Brasil.

Na noite de 24 de junho daquele ano o senador José Richa resumia o desafio a ser enfrentado pela nova sigla: ‘O cenário político está novamente ocupado pelos mesmos atores das décadas de 50 e 60, figuras carismáticas e messiânicas, cujos nomes o País tão bem conhece. O Brasil não merece isso’.

Pouco mais de seis anos depois, o PSDB chegaria ao comando do País com Fernando Henrique Cardoso, um presidente que mesmo eleito e reeleito nunca assumiu a postura de um coronel dentro da legenda que ajudou a fundar. Uma vez fora da presidência e até os dias atuais, recolheu-se ao debate intelectual na sigla, longe dos palanques políticos ou do desejo de controlar o partido.

Ao sair de cena, porém, e com a morte de Mario Covas, os embates entre figuras que queriam comandar a legenda ficaram mais acirrados. A guerra entre a ala paulista de José Serra e Geraldo Alckmin, e a mineira de Aécio Neves, ganhou corpo. Havia muitos desejos pessoais e era fato que quando um lado tinha o candidato, o outro pouco se esforçava para tentar levar o PSDB de volta à Presidência. Ainda assim, tanto em um quanto em outro Estado, não havia rivais para os tucanos.

Em 2014 as coisas começaram a mudar. Após Aécio perder por margem ínfima de votos para Dilma Rousseff, o grupo que controlava o PSDB avaliou que não valia à pena esperar, após sucessivas vitórias petistas. A sigla lançou uma dura campanha de questionamento do governo eleito e abraçou o que as ruas queriam desde as manifestações de 2013: mais radicalismo.

A Lava Jato também fez sua parte. Exaltada pelos tucanos quando pegava petistas daqui e dali, a operação acabou depois machucando as imagens de figuras do partido, incluindo o próprio Aécio que, anos mais tarde, seria inocentado formalmente das acusações, mas já com menos capital político. O PSDB foi colocado na mesma vala do PT por uma nova liderança que surgia pregando a ruptura contra ‘tudo isso que está aí’. O PSDB já estava morto e os resultados obtidos por Geraldo Alckmin em 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito, deixaram as coisas ainda mais claras.

A solução encontrada àquela época foi dobrar a aposta. No mesmo ano, João Doria foi eleito governador de São Paulo com um projeto antipolítico e tão personalista quanto o de Bolsonaro. E abraçado ao radicalismo que ele representava. Era um projeto pessoal que, exatamente por isso, levou a uma ruptura mortal com o bolsonarismo quando Doria ambicionou mais. Dali em diante, o PSDB não se recuperaria nunca mais. Em 2022, Doria sequer conseguiu ser candidato. O PSDB abriu mão de ter um nome ao Planalto para salvar uma candidatura de seu vice ao governo de São Paulo. Não conseguiu nem uma coisa nem outra. As dissidências aumentaram e o PSDB ficou pequeno em todas as frentes.

Faltou base, como recomendava José Maria Monteiro no dia da reunião de fundação. E sobraram projetos individuais, como ele enfatizava que não deveria haver no partido. Sobraram também coronelismo, como reprovava Guiomar Namo de Mello, e figuras que se pretendiam ‘carismáticas e messiânicas’ como as alvejadas por José Richa. Faltou pensar no partido. Até que, para muitos de seus membros, chegou a hora de enterrá-lo. Mas há quem discorde, como sempre no PSDB.”

 
 

 

 
 
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