Justiça do Trabalho condena mãe e filho por submeter idosa a trabalho escravo por mais de 70 anos no Rio


Caso foi revelado em 2022. A família foi condenada a indenizar a idosa no valor de R$ 600 mil por danos morais. Este é o caso mais antigo de exploração no Brasil. Idosa é resgatada após mais de 70 anos de trabalho análogo à escravidão no Rio de Janeiro
Reprodução/ TV Globo
A Justiça do Trabalho condenou mãe e filho por submeterem uma idosa à situação análoga à escravidão na residência da família no Rio por mais de 70 anos. O caso foi revelado em 2022. A decisão saiu na última quarta-feira (12).
A sentença da 30ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro reconheceu a situação degradante no âmbito doméstico e condenou a família a indenizar a idosa no valor de R$ 600 mil por danos morais. Este é o caso mais antigo de exploração no Brasil, e foi denunciado pelo Ministério Público Federal em 2024.
Segundo o MPF, mãe e filho foram acusados de manter Maria como trabalhadora doméstica, “executando jornadas exaustivas e não remuneradas, em condições degradantes, sem liberdade para se locomover e restringindo sua capacidade de escolha.”
Maria nasceu em Vassouras, interior do Rio de Janeiro, em uma família muito pobre de 10 irmãos. Aos 12 anos foi morar com a família dos patrões do pai, na fazenda onde ele trabalhava. O dono da fazenda era o pai da mulher condenada.
Para o juiz do Trabalho, Leonardo Campos Mutti, a vítima “trabalhou ao longo de praticamente toda a sua vida com dedicação exclusiva e integral aos réus, em prejuízo de sua própria vida e de seu pleno desenvolvimento como pessoa, sem receber salário ou qualquer outro direito trabalhista, sem liberdade, submetida a condições degradantes de trabalho e a todo tipo de restrição, sendo privada até mesmo de ter a plena consciência de que era vítima de grave ilicitude praticada pelos réus”.
A decisão determinou o pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas de janeiro de 1967 até maio de 2022, período em que a vítima trabalhou para os réus. Além da indenização por danos morais individuais, mãe e filho foram condenados a pagar R$ 300 mil por dano moral coletivo.
Sofá onde mulher que foi resgatada em situação análoga à escravidão dormia, na entrada do quarto principal
Reprodução/ TV Globo
Entenda o caso
As investigações apontaram que a idosa começou a trabalhar para a família na década de 40, na propriedade da mãe da acusada, em Vassouras, no interior do Rio.
A mulher, que nunca pôde estudar e não teve acesso a salário ou benefícios trabalhistas, serviu ao menos três gerações da família como trabalhadora doméstica até ser resgatada em 2022.
Quando foi resgatada, ela trabalhava como cuidadora da dona da casa e dormia em um sofá, na entrada do quarto principal. Uma denúncia levou o Ministério do Trabalho até a casa, na Zona Norte da capital fluminense (relembre na reportagem abaixo).
Uma idosa foi resgatada de um trabalho análogo à escravidão depois de 72 anos
Sem contato com a família
Segundo as investigações, o filho tentou várias vezes impedir o contato da vítima com familiares que a procuravam, inclusive apagando o número de contato dos parentes dela.
Em outros momentos, quando alguém ligava, ele mantinha a chamada no modo “viva-voz” para ouvir o que estava sendo falado.
Uma mulher que passou 72 anos em situação de exploração no Rio de Janeiro é o caso mais longo de situação análoga à escravidão registrado no Brasil
reprodução/ TV Globo
Ele ainda teria orientado a vítima a mentir para as autoridades, ordenando que ela negasse que prestasse qualquer tipo de trabalho à família. Vizinhos, no entanto, relataram várias vezes que viram a idosa prestando serviços, fazendo compras na feira.
Por conta disso, o filho também foi acusado de coação e de reter o documento de identidade e o cartão de banco da idosa, sacando seu benefício previdenciário.
Para a procuradora do trabalho responsável pelo processo judicial, Juliane Mombelli, esse caso representa um paradigma importante no combate ao trabalho escravo em âmbito doméstico no país.
“O reconhecimento da relação de trabalho em condições análogas à escravidão de pessoa que foi forçada a prestar serviços desde a infância, acolhendo as provas produzidas no Inquérito Civil do MPT, demonstra um amadurecimento do judiciário brasileiro no enfrentamento de situações de grave violação aos direitos humanos”.
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