Justiça condena 9 civis e militares por furto e venda de armas do Exército em Barueri; penas chegam a 18 anos de prisão


Crime ocorreu em 7 de setembro de 2023, quando 22 armas foram levadas do Arsenal de Guerra de São Paulo; 20 já foram recuperadas. Armas do exército de São Paulo apreendidas no RJ
Reprodução
A Justiça Militar de São Paulo condenou quatro militares e cinco civis pelo furto e comercialização de armamentos do Arsenal de Guerra de São Paulo (AGSP), em Barueri. O caso ocorreu em setembro de 2023.
A decisão é em resposta a uma denúncia feita pela 2ª Procuradoria de Justiça Militar. Os militares furtaram 21 armas do arsenal.
Dois ex-cabos do Exército, que atuavam como motorista do diretor do AGSP e auxiliar da Seção de Transporte, foram sentenciados a 17 anos e 4 meses de prisão, em regime fechado, pelo crime de peculato-furto.
O então chefe da Seção de Inteligência, um tenente, recebeu pena de 9 meses de detenção, 3 meses por inobservância de regulamento militar e 6 meses por peculato culposo, ao emitir ordem para que veículos não fossem revistados na entrada e saída do quartel, o que facilitou o furto.
O tenente-coronel que dirigia o AGSP foi punido com seis meses de suspensão do exercício do posto por negligência. Segundo a acusação, ele descumpriu normas do Exército ao não exercer comando efetivo sobre a unidade.
Quatro civis também foram condenados por participação no esquema de comercialização das armas com facções criminosas. Um deles recebeu pena de 14 anos e 4 meses de prisão; os outros quatro, 18 anos de reclusão, todos em regime fechado. Eles foram enquadrados no crime de comércio ilegal de arma de fogo.
O furto
Segundo o Ministério Público Militar, o crime ocorreu durante o feriado da Independência, quando não havia expediente no AGSP. Os dois cabos arrombaram os cadeados e o lacre do depósito da Seção de Recebimento e Expedição de Material, desativaram o alarme e colocaram o armamento na caçamba de uma caminhonete, coberta com lona. Eles deixaram o quartel sem revista veicular, conforme determinação do tenente responsável pela inteligência.
As armas foram então repassadas a civis que negociaram com organizações criminosas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Veja abaixo o que se sabe sobre o furto:
1. Armas desviadas:
Segundo o processo que tramita na Justiça Militar, o número exato de armas furtadas foi de 22, e não de 21, como havia sido divulgado de forma preliminar pelo Exército. São elas: 13 metralhadoras .50 M2 HB Browning; 8 metralhadoras 7,62 M971 MAG; e fuzil 7,62 M964. O Exército diz que o fuzil é considerado um simulacro, porque que estava sem mecanismo de disparo.
Das 22 armas desviadas, duas metralhadoras (calibre .50 HB Browning) ainda não foram encontradas.
Outras 20 armas foram recuperadas em ações das polícias civis de São Paulo e do Rio:
Oito foram apreendidas no dia 19 de outubro do ano passado, na Comunidade da Gardênia Azul, na Zona Oeste do Rio: 4 metralhadoras .50 e 4 metralhadoras 7,62 MAG (https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/10/19/policia-civil-do-rj-recupera-metralhadoras-furtadas-do-exercito-em-sao-paulo.ghtml)
Três foram apreendidas no dia 01 de novembro do ano passado na Praia da Reserva, Zona Oeste do Rio: 2 metralhadoras .50 e 1 fuzil calibre 7,62.
Nove foram apreendidas em São Roque, interior de São Paulo: 4 metralhadoras 7,62 MAG e 5 metralhadoras calibre .50
2. Dinâmica do furto
Em fevereiro de 2024, o g1 e a globonews já tinha mostrado que durante cinco meses de investigação, o Exército confirmou que o furto ocorreu em 7 de setembro de 2023, feriado da Independência e data em que as tropas estão dedicadas a desfiles pelo país. O crime só foi trazido a público no dia 10 de outubro.
O inquérito militar apontou que dois cabos arrombaram o depósito onde estavam as 22 armas entre 14h30 e 15h. A dinâmica foi traçada por meio da análise de câmeras de segurança e uso de sistema de rastreamento.
As metralhadoras estavam no depósito da reserva de armamento da seção de recebimento e expedição de material do Arsenal de Guerra de São Paulo. Para terem acesso às armas, os cabos arrombaram o cadeado e o lacre que preservavam o local e desarmaram o alarme que o protegia por meio do desligamento dos disjuntores do pavilhão onde ficava o depósito.
Um dos cabos, Vagner da Silva Tandu, motorista do então diretor do arsenal, estacionou a caminhonete tipo picape do comandante próxima ao local e, com a ajuda do outro cabo – Felipe Ferreira Barbosa -, colocaram as armas na caçamba, escondendo o arsenal com a capa da parte traseira do veículo.
Após colocarem as armas no veículo, a investigação apontou que o cabo Tandu assumiu a direção da caminhonete e deixou o depósito da reserva de armamento. Já o cabo Felipe Barbosa ficou no local, inseriu novos cadeados e lacre.
Ainda de acordo com o inquérito, a saída do veículo ocorreu sem nenhuma intercorrência porque o primeiro-tenente Cristiano Ferreira deu ordens para que a viatura do diretor nunca fosse revistada na guarda do quartel, o que contraria os regulamentos internos do Exército.
Assim, os cabos aproveitaram a brecha na revista e conseguiram que o veículo carregado com as armas furtadas saísse do local com facilidade, sem fiscalização. A investigação, no entanto, não comprovou a ligação direta do primeiro-tenente no furto, assim como do tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista, então diretor da unidade.
3. Negociação com crime organizado
O inquérito aponta que as armas foram oferecidas à facção criminosa carioca Comando Vermelho (CV), mas não houve aliciamento dos criminosos. Os cabos, de acordo com a investigação, furtaram as metralhadoras e depois as ofereceram para os traficantes com a ajuda de receptadores, e que lucrariam com a venda.
Uma novidade que aparece no processo é que, após deixarem a unidade militar na tarde do dia 7 de setembro, os cabos se dirigiram a cidade de Jandira, na região metropolitana, em local “ainda não identificado”. Lá, o cabo Felipe Ferreira Barbosa desembarcou 12 das 21 metralhadoras, além de um fuzil. Já o cabo Vagner da Silva Tandu seguiu na caminhonete do então diretor do Arsenal de Guerra em direção à oficina de um dos denunciados por receptação – identificado como Silvio Simões Silva, na cidade de Itapevi.
Na oficina, as armas foram então apresentadas para Jonathan dos Santos, primo do cabo Tandu, que recebeu as nove armas restantes. O armamento, consta no processo judicial, foi conferido e depois desmontado por Jonathan. As peças ficaram separadas no chão da oficina. Na sequência, o cabo Tandu foi embora e, de acordo com um depoimento citado na ação, disse que precisava voltar para o quartel para concluir o turno.
Jonathan foi embora na sequência. Já Silvio Simões, ainda de acordo com a investigação, entregou as armas para André Fernandes de Oliveira e Jessé Fidelix (conhecido como “Capixaba) pouco antes do anoitecer. Capixaba afirmou que pagaria R$ 120 mil por cada metralhadora calibre .50 e R$ 50 mil para cada metralhadora calibre 7,62 MAG.
4. Reclamações por falta de peças e entrega em duas remessas
Na madrugada do dia seguinte, 8 de setembro, após verificar que as armas estavam sem algumas peças e apresentavam problemas, um dos traficantes – André Fernandes de Oliveira – entrou em contato com Silvio Simões, que repassou a reclamação ao cabo Vagner da Silva Tandu.
Em 11 de setembro, cabo Tandu retornou à oficina em Itapevi e entregou as outras 12 metralhadoras e o fuzil, que antes estavam em posse do cabo Felipe Ferreira Barbosa. As armas da segunda remessa serviriam para completar as outras metralhadoras. Dessas 13 armas, três metralhadoras e o fuzil foram repassados para os traficantes. As outras nove continuaram na oficina.
5. Destino das armas
Parte das armas ficou no estado de São Paulo, e o restante enviado para o Rio de Janeiro.
Nove delas, sendo cinco metralhadoras calibre .50 e quatro metralhadoras calibre 7,62 MAG, foram guardadas em um primeiro momento na oficina de Silvio Simões, em Itapevi, no interior paulista. O plano era enviar o armamento para o Paraguai e vendê-las. Até o transporte para o país vizinho, outro investigado – William Cunha, apontado como comparsa de Silvio Simões – ofereceu um sítio em São Roque para guardar as armas.
A investigação aponta que William teria garantido que o local era alugado por uma pessoa de muita confiança, a quem “considerava como um pai”, e que era mais seguro. Em 20 de outubro, no entanto, o armamento foi recuperado pela Polícia Civil de São Paulo.
Uma denúncia anônima indicou à Polícia Civil de São Paulo que William Cunha chegou a falar sobre as armas para convidados durante um churrasco, uma semana depois, no dia 28 de outubro e disse onde estariam as peças, possivelmente as que foram levadas para o Rio.
Ao todo, 13 armas foram levadas para o Rio de Janeiro: 11 delas foram recuperadas em duas ocasiões (19 de outubro e 01 de novembro). Duas ainda não foram localizadas. A Justiça Militar, até o momento, entendeu que as informações passadas em depoimentos confirmam outros elementos apurados pelo IPM, como destino das metralhadoras, número de armas, locais e datas.
6. Processo na Justiça Militar
Um ano após o furto de 21 metralhadoras e de um fuzil do Arsenal de Guerra do Exército na cidade de Barueri, na Grande São Paulo, a Justiça Militar segue ouvindo depoimentos e analisando o resultado das perícias feitas durante a investigação durante o inquérito policial militar (IPM). Nenhum militar e nenhum civil foi condenado até o momento.
A primeira audiência ocorreu no dia 15 de julho.
7. Participação direta e indireta
Em fevereiro de 2024, o Exército concluiu a investigação sobre o furto das armas do Arsenal de Guerra do Exército e indicou a participação de pelo menos oito pessoas no desvio de metralhadoras e fuzis em setembro do ano passado.
A denúncia aceita pela Justiça Militar divide os militares pela participação direta no furto ou indireta, por inação ou negligência, entre eles o tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista, então diretor da unidade, além de um primeiro-tenente e dois cabos:
Participação direta:
Vagner da Silva Tandu, cabo do Exército Brasileiro (preso), réu por peculato e furto, em concurso com o cabo Felipe Ferreira Barbosa.
Felipe Ferreira Barbosa, cabo do Exército Brasileiro (preso), réu por peculato e furto, em concurso com o cabo Vagner da Silva Tandu.
Os dois cabos, de acordo com o Comando Militar do Sudeste, não são mais militares e deram baixa das fileiras do Exército no dia 1º de março de 2024. Eles estão presos preventivamente pela Justiça Militar.
Participação indireta:
Rivelino Barata de Sousa Batista, tenente-coronel e então diretor do Arsenal de Guerra do Exército de Barueri: réu por inobservância de lei, regulamento ou instrução, cometida por negligência. O inquérito apontou que o então comandante do quartel não teve participação direta no furto, mas responde por ter sido negligente ao não impedir o crime. Rivelino Barata foi exonerado do posto de diretor do Arsenal da Guerra após a confirmação do desvio das armas, mas foi mantido no Exército.
Cristiano Ferreira, primeiro-tenente do Exército: réu por inobservância de lei, regulamento ou instrução, cometida por tolerância, e por peculato culposo.
Tanto o tenente-coronel quanto o primeiro-tenente continuam na ativa, exercendo atividades no Exército, mesmo respondendo pelos crimes na Justiça Militar.
O Comando Militar do Sudeste afirma que após o furto “houve uma rigorosa revisão dos procedimentos e condutas de segurança em relação a áreas de custódia de armamentos e controles de acessos, visando a mitigar ocorrências envolvendo este tipo de material”, e que está comprometido em apurar o caso, “apoiando a Justiça Militar naquilo que for necessário, bem como em recuperar a totalidade do armamento furtado”.
8. Militares e civis presos
Militares:
Vagner da Silva Tandu, cabo do Exército Brasileiro, réu por peculato e furto, em concurso com o cabo Felipe Ferreira Barbosa
Felipe Ferreira Barbosa, cabo do Exército Brasileiro, réu por peculato e furto, em concurso com o cabo Vagner da Silva Tandu
Civis
Jesser Marques Fidelix (civil)
Jonathan Naylton dos Santos (civil)
William Cunha Santos (civil)
Silvio Simões Silva (civil)
Outros dois acusados (militares) Rivelino Barata de Sousa Batista, tenente-coronel e então diretor do Arsenal de Guerra do Exército de Barueri, e Cristiano Ferreira, primeiro-tenente do Exército, respondem a crimes militares que vão do peculato, furto, deixar de fiscalizar o que ocorreu, negligência e receptação de material furtado, mas em liberdade.
Em caso de condenação, os militares acusados poderão ser expulsos e alguns deles correm o risco de serem presos. Eles podem receber penas de até 15 anos de prisão. Os civis também poderão ser punidos com prisões.
9. Crimes e penas
Os investigados que atuaram diretamente no desvio poderão responder por furto, peculato e receptação, entre outros crimes, segundo o Exército. Alguns possuem qualificadoras, o que aumenta a pena. É o caso do furto. Segundo o Código Penal Militar, o furto simples pode resultar na prisão de um a seis anos. Mas se for praticado a noite, a pena muda de dois a oito anos.
Outra qualificadora prevista ocorre no caso de furto de bem pertencente à Fazenda Nacional, que aumenta a reclusão para até seis anos.
Se o furto for praticado com destruição ou rompimento de lacre, por exemplo, com abuso de confiança ou mediante fraude, com emprego de chave falsa e/ou com a participação de duas ou mais pessoas, a pena varia de três a dez anos de prisão.
No caso do peculato (que é apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse ou detenção, em razão do cargo ou comissão, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio), a prisão varia de três a 15 anos de prisão. Mas a dosimetria pode aumentar em um terço se o objeto desviado tiver valor superior a 20 vezes o salário mínimo.
Se o funcionário ou o militar contribui culposamente para que outra pessoa subtraia ou desvie o dinheiro, valor ou bem, ou dele se aproprie, a detenção definida pode variar de três meses a um ano.
Já para o crime de receptação, a pena prevista é de um a cinco anos. No caso do desaparecimento, consunção ou extravio (fazer desaparecer, consumir ou extraviar combustível, armamento, munição, peças de equipamento de navio ou de aeronave, ou de engenho de guerra motomecanizado), a condenação pode várias de um a três anos.
10. Expulsão após condenação
Mesmo condenados, nem todos os militares são expulsos automaticamente do Exército. Os processos precisam ter tramitado até o trânsito em julgado, ou seja, sem mais possibilidade de recursos.
No caso dos militares com posto de soldado até sub-tenente, para que ocorra a expulsão é necessária a condenação com pena superior a dois anos.
Para oficiais, de tenente a general, a pena mínima é a mesma, mas a expulsão deverá ser analisada pelo Conselho de Justificação e passar por julgamento do Superior Tribunal Militar (STM), após ação de Incompatibilidade para com o Oficialato, impetrada pelo Ministério Público Militar.
Furto de armas do Arsenal de Guerra do Exército aconteceu à luz do dia
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