Equipe da Unicamp se prepara para torneio de biologia sintética em Paris

Um grupo de estudantes da Unicamp, entre graduandos e pós-graduandos, se prepara para representar a Universidade pela quarta vez no International Genetically Engineered Machine (iGEM), principal competição acadêmica para projetos de biologia sintética do mundo. A edição de 2025 ocorrerá em outubro, em Paris, envolvendo um projeto da Unicamp chamado Pepcitrus, que alia biologia molecular e engenharia a fim de apresentar soluções para doenças de plantas cítricas como o greening – um dos principais problemas atuais das lavouras de laranja no Brasil e no mundo.

Idealizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), o evento reúne instituições de ensino de diversas partes do globo com o intuito de apresentar soluções para problemas dos dias de hoje, valendo-se do trabalho em grupo dos participantes de cada equipe para chegar a formas multidisciplinares de combate a desafios relevantes.

Os professores Elizabeth Bilsland (primeira à direita) e André Damasio (segundo à esquerda) com os estudantes envolvidos no projeto
Os professores Elizabeth Bilsland (primeira à direita) e André Damasio (segundo à esquerda) com os estudantes envolvidos no projeto

Ainda que se trate de um evento de biologia sintética – ramo do conhecimento que alia biologia molecular com engenharia –, os times são compostos por estudantes de diversas áreas do conhecimento como física, matemática e engenharia de alimentos, além de uma outra modalidade para alunos de ensino médio. O objetivo principal é avaliar a capacidade dos participantes de trabalhar em grupo e lidar com todos os aspectos de um projeto como respeito a prazos, controle de finanças, divisão de tarefas, planejamento dos próximos passos, negociação com patrocinadores, estimativa de despesas de laboratórios e outros.

A Unicamp já conquistou medalhas de ouro em diferentes categorias da competição, em 2009, 2011 e 2022 – a última delas sob a coordenação da professora Elizabeth Bilsland, do Departamento de Biologia Estrutural e Funcional do Instituto de Biologia (IB). A docente volta a representar a Universidade junto ao iGEM, mas desta vez dando apoio ao coordenador André Damasio, docente do Departamento de Bioquímica e Biologia Tecidual da mesma faculdade.

O projeto conta com financiamento da Pró-Reitoria de Extensão, Esporte e Cultura (Proeec), responsável também pelo suporte financeiro ao projeto que representou a Unicamp na competição de 2022. Bilsland, ainda, está à frente de uma liga de fomento à cultura de projetos iGEM na Unicamp desde 2023. “Ter essa memória é importante. Tentamos criar um clube de biossintética, mas isso demandaria estatuto e um contingente de alunos fixos alocados. Por iniciativa do professor Alessandro dos Santos Farias, diretor associado do IB, criou-se a liga”, diz a docente.

O projeto denominado Pepcitrus, alia biologia molecular e engenharia a fim de apresentar soluções para doenças de plantas cítricas como o greening
O projeto denominado Pepcitrus, alia biologia molecular e engenharia a fim de apresentar soluções para doenças de plantas cítricas como o greening

O problema do greening

No entanto a força do Pepcitrus está mesmo nos 23 alunos – oito em nível de mestrado e doutorado, além de 15 graduandos. Os dois docentes somente supervisionam o projeto, fazendo questão de reforçar como a participação dos alunos em todos os aspectos científicos, logísticos e éticos é completa. “A maturidade dos alunos muda muito depois de projetos dessa natureza”, afirmou Bilsland. “Nesse tipo de projeto de extensão, o nível de criatividade é algo que conta muito. Quando falamos de uma pós-graduação formal, os resultados são importantes, as hipóteses já estão formuladas, mas, no caso do iGEM, os projetos são mais livres. Existe um rigor científico, mas a preocupação maior está em avaliar como esses estudantes pensam o mundo”, disse Damasio.

A graduanda Anna Luiza Graf foi escolhida entre os participantes para ser a principal porta-voz da equipe. Uma das quatro selecionadas para estar em Paris representando o Pepcitrus em outubro, Graf supervisiona as atividades do projeto, divididas em três áreas: científica, práticas humanas e divulgação.

A graduanda e seus colegas decidiram mudar o foco do projeto em agosto de 2023 passando de buscar uma forma de controlar o gás metano emitido por bovinos para lidar com um problema que atraiu uma atenção maior nos últimos anos: as doenças de citros tais como o greening, uma enfermidade que acomete as folhas das plantas devido à ação nociva da bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus, presente em mais de 99% das plantas doentes de acordo com a entidade Fundecitrus, que desenvolve pesquisas no setor. Os pesquisadores também pretendem combater outros males como o cancro cítrico, o bolor verde e a podridão azeda (pós-colheita). Os danos causados à indústria citrícola são estimados em até US$ 10 bilhões. E o governo brasileiro já divulgou uma portaria específica sobre o tema em 2021, instituindo um programa nacional de prevenção ao e controle do greening – uma enfermidade também conhecida como Huanglongbing (HLB).

A aposta do projeto é o emprego de peptídeos antimicrobianos – cadeias de aminoácidos menores que proteínas
A aposta do projeto é o emprego de peptídeos antimicrobianos – cadeias de aminoácidos menores que proteínas

O micro-organismo responsável por esse mal é transmitido por meio do Diaphorina citri, um psilídeo de até 3 milímetros que se encontra frequentemente nos pomares durante a fase de brotação. As árvores novas afetadas deixam de produzir e as antigas sofrem com a queda prematura de frutos. Não há uma maneira conhecida de se eliminar o causador da doença, que exige o plantio de mudas sadias e a destruição de plantas doentes, além de medidas para controlar o inseto.

Como solução, o Pepcitrus aposta no emprego de peptídeos antimicrobianos – cadeias de aminoácidos menores que proteínas. Estudar como desenvolvê-los, como transferi-los às plantas afetadas e como viabilizá-los em larga escala para atender ao enorme cultivo de citros no Brasil figura entre os principais objetivos do projeto. “A produção do peptídeo, que por si só já é bastante árdua, só acontece atualmente de forma química, é bastante cara e não tem escalabilidade industrial”, explica Graf. “No Pepcitrus, estamos tentando fazê-lo pela via biológica, pegando organismos e os modificando-os para produzir o que nos interessa.”

A produção de peptídeos ocorre por meio de quatro sistemas: a bactéria Escherichia coli, espécies fúngicas do gênero Saccharomyces, o fungo filamentoso Aspergillus oryzae e um sistema cell-free, este último em parceria com empresas procuradas pelos estudantes do Pepcitrus para patrocínio do e apoio financeiro ao projeto. “Estamos nas fases finais de experimentos com a E. coli e o cell-free enquanto construímos a maquinaria nos fungos Saccharomyces e Aspergilus”, comemora Graf, que aposta nos resultados obtidos até o momento pelo grupo como suficientes para a viagem até Paris. Esses experimentos abordam a aplicação dos peptídeos durante todo o processo de produção de citros, da colheita até o armazenamento dos frutos.

O otimismo em relação aos peptídeos ganhou uma forte corroboração nas últimas semanas, quando um artigo chegou à capa da edição 388 da revista Science, uma das principais publicações de divulgação científica no mundo. No estudo, desenvolvido de forma independente por uma equipe de cientistas chineses, as próprias plantas apresentam sinais de reforço do sistema de defesa por meio do estímulo de peptídeo terapêutico. “Para nós, o que é importante é a relevância do tema. Se havia dúvidas antes sobre o uso de peptídeos para esse tipo de aplicação, agora o artigo da Science as removeu, e isso demonstra como o grupo do Pepcitrus acertou em cheio”, afirma Damasio. “Os peptídeos retardam o problema, já que impedir a contaminação é praticamente impossível. Então a ideia é impedir que a bactéria danifique a planta mesmo se conseguir entrar em contato com essa planta.”

Durante o desenvolvimento do projeto, os estudantes tiveram a oportunidade de conversar com agricultores, empresários e demais integrantes do setor
Durante o desenvolvimento do projeto, os estudantes tiveram a oportunidade de conversar com agricultores, empresários e demais integrantes do setor

Durante o desenvolvimento do projeto, Graf e seus colegas tiveram a oportunidade de conversar com agricultores, empresários e demais integrantes do setor. “Notamos que o produtor quer ver uma solução. Hoje se nota um movimento de saída do cinturão de produção citrícola, uma expansão para fora de São Paulo e de Minas Gerais, ou seja, para lugares do nordeste. Trata-se de uma tentativa de escapar do greening, mas é só uma questão de tempo até que o problema migre para lá”, comenta a pesquisadora. “E não é só o Brasil que é acometido pelo problema. Na Flórida, nos Estados Unidos, os antibióticos estavam sendo administrados diretamente nas árvores como tentativa extrema para se conter o greening. A produção vai seguir caindo caso a bactéria não seja controlada. Os peptídeos representam uma possibilidade concreta de contornar esse cenário.”

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