Perdas na reta final da gravidez: o que explicam os especialistas

Tati e Micheli Machado perderam seus bebês nas últimas semanas da gravidez


Tati e Micheli Machado perderam seus bebês nas últimas semanas da gravidez


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Reprodução / Instagram

A apresentadora Tati Machado e a atriz Micheli Machado perderam seus bebês nos últimos momentos da gestação. Tati estava com oito meses de gravidez e Micheli já se preparava para o parto, no nono mês. As duas relataram o mesmo sinal antes das perdas: pararam de sentir os movimentos do bebê. Casos como estes, no entanto, apesar de dolorosos, são mais comuns do que se imagina. Especialistas, ouvidos pelo ENFOCO, também explicam as causas. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera natimorto o bebê que nasce sem vida a partir da 28ª semana de gestação. Dados da entidade mostram que, em 2020, 2 milhões de bebês nasceram mortos no mundo. A maior parte das ocorrências (84%) foi registrada em países de baixa e média renda, como o Brasil.

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Segundo a obstetra Liduina Rocha, supervisora da Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia da Escola de Saúde Pública do Ceará, a perda gestacional tem classificações diferentes, dependendo da fase da gravidez.

“Até a 20ª semana chamamos de aborto. Se for até a 12ª semana, costuma ter como causa alterações genéticas. Já entre a 12ª e a 20ª semanas, entram problemas no útero, como a incompetência do colo, que leva ao abortamento”, explicou.

No terceiro trimestre, como nos casos de Tati e Micheli, as perdas são menos frequentes, mas ainda assim acontecem. De acordo com Liduina, cerca de 18 a cada mil nascimentos no mundo terminam em óbito fetal nessa fase.

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A maioria desses casos, em torno de 80%, tem causas identificáveis. Pressão alta na gravidez, que leva à pré-eclâmpsia, e diabetes gestacional mal controlado estão entre os fatores mais comuns


Liduina Rocha
Obstreta

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A pré-eclâmpsia, uma condição grave que pode surgir durante a gravidez, é uma das principais ameaças à vida do bebê e da mãe. Para prevenir, a recomendação no Brasil é que todas as gestantes façam uso de cálcio durante a gravidez, já que a alimentação do país costuma ter consumo baixo do mineral.

“Em gestantes com maior risco, usamos também o AAS (ácido acetilsalicílico) como forma de prevenção”, completou a profissional.

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Diabetes gestacional descompensado pode causar a morte do feto em qualquer momento da gestação, até mesmo no fim. Quando isso acontece, podemos antecipar o parto, mas sempre com cuidado, porque a antecipação não quer dizer obrigatoriamente cesárea. É preciso conversar com a paciente sobre os riscos e benefícios, caso a caso


Liduina Rocha
Obstreta

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Outra questão importante é o acompanhamento mais frequente no fim da gravidez. A recomendação é que, a partir da 34ª semana, as consultas pré-natal sejam semanais.

A obesidade também pode estar associada a riscos, mas não deve ser tratada com preconceito.

“Pacientes com IMC acima de 30, por exemplo, têm indicação de utilizar, além do cálcio, recomendado para todas as gestantes, também o AS. Portanto, a relação entre peso e altura pode sim estar associada a um risco aumentado para algumas condições, como diabetes gestacional e pré-eclâmpsia”, explicou a Liduina.

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É importante ressaltar que a obesidade não é, por si só, indicação de cesárea, mas sim de um pré-natal de qualidade, classificado como de alto risco, com foco na prevenção, especialmente dessas duas condições. O cuidado deve ser individualizado, sem preconceitos ou discursos gordofóbicos


Liduina Rocha
Obstreta

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Outro fator que merece atenção é a idade materna. Mulheres com mais de 35 ou 40 anos têm maior chance de já apresentarem doenças como hipertensão ou diabetes, o que torna o pré-natal ainda mais importante.

“Essas condições aumentam o risco de complicações e exigem um cuidado especial. Mas o fundamental é a qualidade da assistência. Um pré-natal bem feito identifica fatores de risco e permite ações de prevenção”, destacou Liduina.

Sobre a ausência de sintomas claros antes da morte do feto, a obstetra lembra que a falta de movimentação pode ser um alerta importante, como relataram Tati e Micheli.

“Quando a gestante para de sentir o bebê, deve procurar atendimento imediatamente. Nem sempre dá tempo de evitar a perda, mas o pronto atendimento pode salvar vidas em muitos casos”, afirmou Liduina.


O tempo é importante, mas não suficiente por si só

Apesar dos avanços da medicina, a especialista destaca que ainda existem situações em que não é possível descobrir a causa da morte do bebê.

“A medicina tenta entender a realidade, mas ela é mais complexa do que a gente consegue explicar. Existem mortes súbitas em todas as fases da vida, inclusive na gestação, que não têm causa identificável”, disse.

Luto silenciado

O impacto psicológico da perda gestacional é profundo e muitas vezes invisibilizado. A psicóloga Laís Torres, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, explica que o vínculo com o bebê se estabelece ainda durante a gestação e que o luto perinatal envolve a quebra repentina de sonhos e expectativas.

“Mesmo que o bebê ainda não tenha nascido, já havia uma relação emocional estabelecida, expectativas, falas, enfim, no seio familiar, embora sem a presença física. A emoção que tomava conta do lugar fazia com que ali houvesse um bebê”, afirma.

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A elaboração desse luto passa pelo reconhecimento da perda, pelo direito de sentir e expressar a dor, e por um espaço de escuta e validação emocional


Laís Torres
Psicóloga

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Laís também destaca que esse tipo de perda pode desencadear uma série de sentimentos dolorosos.

“Essa perda pode gerar sentimento de culpa, por talvez não ter sentido o bebê mexer, ou imaginar o que seu corpo deveria fazer para não deixar com que isso acontecesse. O vazio, negação, raiva, tristeza profunda e, em muitos casos, crises de ansiedade e quadros depressivos podem se instalar, não só na mulher, mas nas pessoas que estão à volta”, falou.

Segundo a psicóloga, o luto gestacional ainda é pouco compreendido na sociedade, o que contribui para o isolamento de quem sofre.

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Infelizmente, o luto gestacional ainda é pouco compreendido e, muitas vezes, invisibilizado. Há uma tendência cultural de minimizar essa dor com frases como ‘vocês podem tentar de novo’, ‘ainda bem que foi no começo’ ou ‘melhor assim porque não teve contato direto com o bebê’, o que invalida o sofrimento da mãe e seus familiares


Laís Torres
Psicóloga

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A vivência pública da gestação, quando há exposição nas redes sociais ou em círculos mais amplos, pode trazer um novo peso à dor.

“A exposição gera uma espécie de ‘luto coletivo’, que pode ser acolhedor em alguns casos, mas também invasivo ou até mesmo pressionar a mãe para uma recuperação e reaparição mais rápida”, observa.

“Ter que comunicar a perda a um grande público e lidar com manifestações de empatia, curiosidade ou julgamento pode aumentar o sofrimento. Ao mesmo tempo, a visibilidade pode abrir espaço para discussões importantes sobre o luto gestacional, promovendo acolhimento para outras mulheres em situação semelhante”, completou a psicóloga.

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Frases como ‘estou aqui com você’, ‘você não está sozinha’ e ‘como posso te ajudar?’ costumam ser mais acolhedoras do que conselhos ou tentativas de consolo racional, ou até mesmo dizer, ‘Deus/universo/coisas da vida quiseram assim’


Laís Torres
Psicóloga

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Laís também indica estratégias que podem ajudar na ressignificação da perda.

“Cada mulher vivencia o luto de maneira única, mas algumas estratégias costumam favorecer o processo de restabelecimento emocional. O tempo é importante, mas não suficiente por si só. A psicoterapia é um recurso essencial para que essa dor encontre expressão e ressignificação. É possível usar como técnicas rituais simbólicos de despedida, caso não tenha sido possível aos pais fazê-lo. Escrever uma carta ao bebê, nomeá-lo ou criar um espaço de memória podem ajudar a dar lugar a essa perda no mundo interno e externo”, diz.

Por fim, a psicóloga reforça que a escuta respeitosa pode ser a chave para um luto mais saudável.

“Falar sobre o que nos aconteceu cura, mas falar sem pressionar, falar sem ferir, falar para dirigir, respeitando o tempo e espaço para a continuidade saudável dessa família”, conclui.

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