Um ano após indiciamento de 39 policiais, Chacina de Varginha segue sem resposta do MPF

Mais de um ano após o indiciamento de 23 policiais rodoviários federais e 16 policiais militares que participaram da operação que resultou na morte de 26 pessoas em Varginha (MG), em 2021, caso que ficou conhecido como “Chacina de Varginha”, permanece sem desfecho.

O processo está parado na Justiça à espera de um posicionamento do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, que ainda não decidiu se apresentará denúncia contra os envolvidos. Enquanto isso, os policiais seguem na ativa.

Os agentes foram indiciados pela Polícia Federal (PF) em 27 de fevereiro de 2024 por crimes de tortura, autoria ou coautoria de homicídio qualificado (quando há intenção de matar) e fraude processual.

A PF concluiu que eles teriam simulado um tiroteio para justificar as dezenas de mortes, uma vez que os membros da quadrilha do chamado “novo cangaço” estariam desarmados quando foram surpreendidos e executados, muitos com tiros pelas costas. Para os investigadores, os policiais envolvidos na operação “queriam o resultado morte para todos que ali estavam”.

Questionado sobre a demora em avançar com o caso, o MPF-MG informou à Agência Pública que “está refazendo algumas perícias e análises anteriormente realizadas pela PF, em razão de questionamentos apresentados pelas defesas”. “Não há, no momento, um prazo definido para a conclusão desta etapa”, acrescentou.

Já a PRF ressaltou que “aguarda a conclusão da investigação pelo MPF para a continuação do processo em âmbito administrativo”.

Os 23 policiais rodoviários ficaram afastados das atividades por um mês, de 1º de março a 30 de abril de 2024. Segundo a corporação, a corregedoria-geral constatou que não havia impeditivo legal ou manifestação do MPF, da PF e da Justiça Federal para manutenção do afastamento preventivo.

A reportagem perguntou em quais cargos os policiais estão lotados atualmente, mas a PRF respondeu que “não divulga informações pessoais de servidores e de pessoas envolvidas em ocorrências”.

A Pública fez o mesmo questionamento à Polícia Militar de Minas Gerais, mas não obteve resposta até o momento. Em caso de manifestação, este espaço será atualizado.

O que concluiu a PF

No inquérito ao qual a Pública teve acesso, a PF desmonta a versão dos depoimentos prestados pelos investigados – a mesma divulgada aos meios de comunicação à época pelo governo de Jair Bolsonaro – de que teria ocorrido uma intensa troca de tiros com membros de uma quadrilha de roubos a bancos. Após dois anos de investigação, a PF concluiu, no entanto, que não houve resistência contra a ação policial.

De acordo com os investigadores, os agentes deram “uma versão inverossímil” para o que ocorreu nas duas chácaras onde a quadrilha estava reunida na madrugada do dia 31 de outubro de 2021 e sua véspera. “Ficou patente [claro] que o relato dos policiais rodoviários e dos policiais militares foi uma criação fictícia, previamente acertada entre eles, com vistas a elidir a responsabilidade destes pelos excessos cometidos”, apontou o inquérito.

Os exames periciais revelaram que dos 26 mortos, 17 foram alvejados pelas costas. Também foram detectados entre os mortos ferimentos em membros superiores e inferiores, compatíveis com lesões de defesa, “geralmente produzidas quando a pessoa coloca a mão, braços ou pernas à frente do corpo na tentativa de impedir a ação do instrumento lesivo”.

Durante a operação, nenhum policial foi ferido. Ao todo, eles fizeram 500 disparos. Dos cerca de 300 cartuchos localizados, apenas 20 foram atribuídos às armas dos integrantes da quadrilha, mas estes disparos, segundo a PF, teriam sido realizados pelos próprios policiais após a ação, com intuito de “simular uma batalha que jamais houve”.

Essa foi a maior chacina protagonizada por PRFs durante o governo Bolsonaro, de uma série de operações lideradas pela corporação à época comandada por Silvinei Vasques – hoje réu por tentativa de golpe de estado no Supremo Tribunal Federal.

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