Ninguém está seguro no metrô de São Paulo

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“Não foi acidente, foi negligência”. A frase estampada em cartazes de manifestantes que protestavam em frente à estação Campo Limpo pela morte de Lourivaldo Nepomuceno resume o sentimento de choque e revolta dos paulistanos que todos os dias se espremem e se arriscam em estações, plataformas e vagões nos horários de pico do metrô para chegar ao trabalho e voltar para casa. 

“Nós sentimos na pele o que é pegar o metrô lotado todos os dias sem um pingo de segurança”, explicava uma manifestante à imprensa. “Por que só agora vão colocar o sensor? Isso é uma irresponsabilidade”, indignou-se. 

A ausência do sensor de presença na linha 5-lilás, operada pela ViaMobilidade, custou a vida de Lourivaldo, 35 anos, pai de três filhos. Na manhã de terça-feira passada (6), quando ia para o trabalho, o rapaz ficou prensado no vão entre as portas da estação e do vagão e foi arrastado pelo trem em movimento.

Para quem não conhece o metrô de São Paulo, explico: as portas automáticas nas plataformas foram instaladas nas linhas mais novas para isolar os trilhos, a exemplo de outros países, mas em São Paulo, por erro de projeto, ficou esse vão entre as portas. 

Nas linhas de metrô que ainda pertencem ao estado, as portas automáticas têm sensores de presença e, depois de um acidente não fatal na linha verde, também foram instaladas proteções de borracha nos vãos. Mas nas linhas privatizadas, como esta operada pela ViaMobilidade, as portas automáticas das plataformas não têm sensor de presença nem qualquer tipo de proteção que impeçam acidentes como o que matou Lourivaldo. 

Equipamentos, aliás, muito baratos, perto dos custos e lucros do metrô. Em 2024, o grupo CCR, dono da Via Mobilidade e da ViaQuatro (que opera outra linha de metrô), obteve um lucro líquido de 1,78 bilhão de reais, um crescimento de 26% em relação ao ano anterior.

Repositor de supermercados, professor particular de natação, Lourivaldo cortava um dobrado para sustentar a família sem abrir mão do sonho de se tornar professor de Educação Física, aliás, quase realizado: filho de um pedreiro, de quem herdou o nome e a coragem, ele iria se formar no final deste ano. Queria dar aos filhos o que não teve na infância, apesar dos esforços do pai.

Lourivaldo foi enterrado ontem (7), mas a ViaMobilidade não mandou nem uma flor. A família arcou sozinha com o sofrimento e os custos do funeral. Terá que esperar a conclusão do inquérito civil aberto pelo Ministério Público e as respostas aos questionamentos do Tribunal de Contas do Estado para receber ao menos um pedido de desculpas.

A nota da companhia publicada na imprensa, alegando que o passageiro desrespeitou os sinais sonoros de fechamento de portas, é revoltante para qualquer um que já pegou o metrô em horário de pico. Na prática, as pessoas se aglomeram diante das portas e vão se empurrando até entrar no vagão. Às vezes a gente só percebe que conseguiu entrar quando já está lá dentro, prensado na multidão. Se ficar com medo, não embarca.

Não há como entrar com cuidado e às vezes nem dá para sair rápido quando o sinal sonoro apita. Nas estações antigas, as portas do vagão abrem e fecham até que os que ficaram de fora voltem para a plataforma. Mas nessas, com portas automáticas e sem proteção, o risco é ficar entre as duas, como infelizmente aconteceu com Lourivaldo. 

Os passageiros frequentes de trem e metrô, como Lourivaldo, já viram acontecer de tudo: acidentes em escadas rolantes lotadas, enxurrada nas estações, trens com velocidade reduzida ou que param de repente por horas, com luzes e ar condicionado desligados. 

Um sufoco que já obrigou muita gente a acionar o botão de emergência e sair andando pelos trilhos do metrô ou por passarelas perigosas, como aconteceu duas vezes, na mesma tarde de terça-feira (6), na linha prata do monotrilho. Por sua conta e risco, sem orientação.

Também já viram brigas com morte e espancamentos. Em dezembro do ano passado, um passageiro embriagado na Estação Carapicuíba foi espancado até a morte por seguranças da ViaMobilidade. E, se foi a mais grave, não foi a única violência perpetrada por esses agentes – das concessionárias privadas e do metrô.

Mas tudo que é ruim pode piorar, principalmente quando um governo tem uma visão equivocada sobre segurança pública. 

No dia seguinte à morte por negligência de Lourivaldo, um filme de terror para os que presenciaram a cena, passageiros da Estação Santa Cecília, no centro de São Paulo, foram surpreendidos com tiros. Policiais militares que supostamente perseguiam um traficante, entraram atrás dele na estação e atiraram quando ele pulava a catraca. Isso no final da tarde, com a estação cheia de gente. 

O Metrô informou que a ocorrência não envolveu nenhum funcionário e que a operação dos trens seguiu normalmente. Exatamente como aconteceu na terça-feira, assim que as portas automáticas foram lavadas e o corpo de Lourivaldo foi retirado dos trilhos para a passagem dos trens. Afinal, São Paulo pode tudo, só não pode parar.

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