“Roda dos expostos”: veja como crianças eram deixadas em hospital

Roda dos Expostos é uma das principais atraçõesReprodução

Durante mais de cem anos, bebês eram deixados anonimamente pelas mães na entrada da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, numa estrutura chamada “roda dos expostos”. Era um cilindro giratório, de madeira, embutido na parede. Esses e outros objetos ficam expostos no museu do hospital, local que preserva itens da época das boticas (entenda abaixo) e serve quase como uma aula prática de arqueologia.

Ritual para acolher menores abandonados

Um sino tocava e, do outro lado da parede, uma irmã de caridade pegava a criança, enrolada em panos. Nenhuma carta, nenhum nome, nenhuma explicação.

“A mãe colocava a criança dentro, girava a roda e tocava o sino. Do lado de dentro, uma irmã recolhia o bebê. Era tudo silencioso, rápido, sem contato direto”, conta ao Portal iG a historiadora Gabriela Moreira, coordenadora do museu da Santa Casa da capital gaúcha.

A roda começou a funcionar em 1837 e funcionou por mais de 100 anos, tendo sido desativada em 1940. Estava ali para cumprir uma missão: acolher crianças abandonadas. Equipamentos como esse existiam em outras cidades do país. Mas poucas estruturas ainda preservam o cenário como em Porto Alegre.

Aplicador de vacina feito de madeira

“Na exposição, a gente reconstruiu esse espaço. Ele é emblemático. Muitas pessoas da cidade lembram disso, ou conhecem histórias de família que passaram por aqui”, diz Gabriela.

Hoje, a roda está na exposição “Fragmentos de uma história de todos nós”, no Centro Cultural da Santa Casa. A mostra também recria enfermarias antigas e exibe objetos que fizeram parte da rotina do hospital: seringas de vidro, fórceps usados em partos, máscaras de anestesia.

“Temos um aplicador de vacina feito de madeira. Equipamentos que contam como era a assistência à saúde há décadas”, explica a historiadora.

Carta exposta no museuFoto: Reprodução
Museu da Santa Casa de Porto AlegreFoto: Reprodução
Maquete da Santa CasaFoto: Reprodução
Armário com objetos antigos da Santa CasaFoto: Reprodução
Enfermagem do museuFoto: Reprodução
Imagem que faz parte da exposição do museu da Santa CasaFoto: Reprodução
Local onde ficavam os pacientesFoto: Reprodução
Fachada da Santa CasaFoto: Reprodução
Roda dos Expostos é uma das principais atraçõesFoto: Reprodução
Espaço que produtos eram feitos pelas enfermeirasFoto: Reprodução

Gabriela destaca uma das vitrines. Dentro, frascos de remédio, copos, escovas de dente e garrafas.

“Esses objetos foram encontrados aqui mesmo, em escavações. Temos um acervo arqueológico com mais de 25 mil peças. São vestígios do que foi vivido por pessoas que passaram por esse hospital.”

No total, o acervo tem mais de 35 mil itens. Além dos objetos do hospital, há arte sacra, documentos, mobiliário antigo, roupas, medalhas e fotografias. Tudo está organizado em módulos expositivos.

“A gente trabalha muito com visitas mediadas. Recebemos escolas, estudantes da área da saúde, e temos oficinas sobre história da enfermagem, farmácia e até segurança do trabalho”, explica.

O espaço funciona de segunda a sábado, das 8h às 18h30. Em dias de espetáculo, o horário se estende até as 20h.

O Centro Cultural também tem teatro, salas expositivas e realiza mostras temporárias. Uma das mais recentes celebrou os 220 anos da instituição.

A roda dos expostos hoje é apenas um cenário. Mas, por décadas, foi a única porta que muitas crianças encontraram, sem que quisessem passar por ela.

O que eram as boticas

Em outros tempos, as boticas era o que conhecemos hoje como as farmácias, drogarias.

Segundo o Conselho Federal de Farmácia, inicialmente botica era, na verdade, “uma caixa de madeira onde se levavam os primeiros remédios. Foi com este nome que a farmácia se tornou conhecida em Portugal”.

Durante o Brasil colonial, a caixa era transportada pelos mascates em povoados e fazendas, com medicamentos.

“Conhecidos como boticários, os donos das boticas eram profissionais de alto gabarito, conhecedores da arte do fabrico de remédios, prestigiados na corte portuguesa e nas armadas e fortalezas”.

Criador do hospital nasceu em Florianópolis 

A Santa Casa de Porto Alegre é o hospital mais antigo do Rio Grande do Sul. Foi criada pelo catarinense Irmão Joaquim Francisco do Livramento, natural de Desterro (atual Florianópolis).

Segundo o site da instituição, no final dos anos de 1700, ele “percorreu algumas vilas coloniais, pregando a caridade e fundando instituições em socorro aos necessitados. Foi assim que, em 1776, veio a Porto Alegre, onde constatou que não havia uma casa em que os doentes pudessem ser tratados”.

Um asilo situado acolhia os doentes marítimos que chegavam à cidade. Depois da responsável pelo local falecer, Joaquim fez uso do legado: uma enfermaria para necessitados. Depois de ir a Lisboa, por conta própria, para sugerir a criação de hospitais de caridade em Desterro e Porto Alegre, conseguiu aval, que foi encaminhado pela realeza ao governador gaúcho.

Meses depois, ainda em 1803, em sessão da Câmara, foi oficializada a criação da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. 

Em 1802, o naturalista francês Saint-Hilaire, declarou em visita a Porto Alegre:

 “Fora da cidade, sobre um dos pontos mais elevados da colina onde ela se acha construída, iniciou-se a construção de um hospital, cujas proporções são tão grandes, que provavelmente não seja terminado tão cedo; mas a sua posição foi escolhida com rara felicidade, porque é bem arejado, bastante afastado da cidade, para evitar contágios; ao mesmo tempo, muito próprio para que os doentes fiquem ao alcance do socorro de qualquer espécie”. 

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