A falta de apetite dos venture capitals brasileiros

O Brasil nunca foi para os fracos. Mas, quando o assunto é venture capital, parece que a coragem ficou no armário. Em vez de apostar em ideias inovadoras e aceitar o risco como parte do jogo, muitos fundos preferem observar a distância, esperando que o sucesso esteja comprovado antes de desembolsar qualquer capital relevante. O resultado? Um ecossistema travado, onde se exige de startups uma maturidade que elas ainda não têm como oferecer.

É como se quiséssemos colher frutas de um pé recém-plantado. No Brasil, o investimento de risco, aquele verdadeiro, quase não acontece. E não se trata de falta de capital, o dinheiro existe. O problema é o medo de errar, a preferência por um plano de negócios impecável, por um produto já testado, por uma operação com tudo em ordem antes do primeiro cheque.O que fazemos no Brasil é brincadeira se compararmos ao mercado norte-americano, que, em 2024, injetou US$ 209 bilhões em startups. Gosto de citar o exemplo do Uber, que, mesmo com receita crescente, passou 15 anos registrando prejuízo líquido. A dívida da empresa chegou a US$ 10 bilhões e, ainda assim, os investidores continuaram colocando dinheiro no negócio. 

A estratégia mostra como nos Estados Unidos é comum pensar a longo prazo — algo que ainda precisamos aprender. Por lá, aposta-se no longo prazo, na escala, na mudança de comportamento do consumidor. Por aqui, o mindset ainda é vender almoço para pagar a janta, e por mais clichê que essa expressão seja, ela traduz a realidade brasileira: pensamos somente no aqui e agora. Nosso longo prazo é depois de amanhã. O reflexo disso aparece nos números: O Brasil gerou apenas 22 unicórnios nos últimos 15 anos, segundo relatório da Distrito. Em contrapartida, cerca de 8.258 startups brasileiras encerraram suas atividades entre 2015 e 2024 — quase metade das 16.936 atualmente ativas no país.

Diante desse cenário conservador, ganham força alternativas que fogem da dependência dos venture capitals tradicionais. Uma delas é o bootstrapping, estratégia de financiar a própria operação com receita gerada pela empresa. Embora mais lento, esse modelo garante controle total sobre o negócio e elimina pressões externas que podem desalinhar o propósito da startup. Porém, exige um alto grau de disciplina, gestão e conhecimento de processos. Características que, infelizmente, ainda faltam em boa parte das startups brasileiras.

Já o seedstrapping é um movimento híbrido entre o investimento-anjo e o bootstrapping, onde um pequeno grupo de investidores aporta capital na empresa ainda na fase de ideação, mas com envolvimento ativo na operação. Menos investidor, mais parceiro estratégico. Essa alternativa parte do princípio de que é melhor construir com poucos sócios engajados do que ficar refém de rodadas de investimento, que muitas vezes nem se concretizam. É também uma forma de manter a autonomia e a velocidade na tomada de decisão: em vez de negociar com um comitê, conversa-se com dois ou três fundadores que, juntos, põem a mão na massa.

O cenário atual exige novas formas de financiamento e também uma mudança cultural. Startups brasileiras ainda morrem demais, e por razões que vão além do dinheiro. Faltam planejamento, capacidade técnica, e, sobretudo, disposição para aprender com o fracasso. A crença de que apenas uma boa ideia basta ainda impera, enquanto o mundo real exige execução impecável.

Há modelos sendo desenvolvidos por aqui que desafiam essa lógica. Estruturas mais profissionais, inspiradas nos startup studios, têm mostrado que é possível criar negócios do zero com maior taxa de sucesso. O modelo desenvolvido pelo húngaro Attila Szigeti, por exemplo, alcança uma taxa de sucesso de 66% — ou seja, de cada três startups criadas, duas prosperam. Isso é muito superior à média global, em que cerca de 70% das startups fracassam, segundo a CB Insights.

Se queremos um ecossistema saudável, precisamos parar de apenas repetir o que deu certo lá fora. O Brasil tem suas próprias dores, sua própria realidade. A inovação, por aqui, também precisa considerar essas especificidades. E isso passa, inevitavelmente, por repensar o papel dos investidores, e por valorizar, cada vez mais, os empreendedores que constroem apesar da ausência de apoio.

O risco existe. E vai continuar existindo. O que muda é a nossa disposição para enfrentá-lo com coragem e inteligência. Porque, no fim das contas, o verdadeiro erro é não se arriscar.

*Por Carlos Perobelli, CEO da Nexmuv.

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