Linfedema: cabeleireira de SC relata saga de décadas com doença que causa inchaço nas pernas

Quando a cabeleireira Diojane Bentas tinha 11 anos, percebeu um inchaço e uma leve rigidez na perna esquerda. Sem dor ou outros sintomas associados ao quadro, a menina foi levada a diferentes médicos de sua cidade natal, Capinzal (SC), e também da capital, Florianópolis.

O diagnóstico demorou quatro anos para vir, período no qual o inchaço só aumentou. Nesse intervalo, Bentas passou por uma bateria de exames laboratoriais e de imagem, cirurgias e teve atividades interrompidas — educação física, por exemplo, nem pensar. Chegou a ouvir que a única solução seria amputar a perna, e que tinha um tumor.

Aos 14 anos, sua família fez uma viagem de carro até São Paulo, para uma consulta em um hospital especializado em câncer. “O médico me disse que, na verdade, eu tinha linfedema. Falou que a doença não tinha cura e podia piorar sem cuidados”, relembra ela, aos 35 anos.

Diferença entre linfedema e lipedema

O linfedema é uma condição causada pelo acúmulo anormal de líquido linfático nos tecidos, resultando em inchaço, geralmente nos membros superiores ou inferiores. “A doença afeta mais mulheres, principalmente em razão de intervenções cirúrgicas e tratamentos relacionados ao câncer de mama, como a remoção de linfonodos ou a radioterapia”, explica Armando Lobato, presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV).

Além disso, fatores hormonais e anatômicos também desempenham um papel importante, o que torna as mulheres mais suscetíveis ao quadro. A doença ainda por ser desencadeada por genética.

O linfedema não deve ser confundido com outra condição mais comum: o lipedema.

“Embora o inchaço de ambos possa parecer semelhante, o linfedema é causado por um problema no sistema linfático, enquanto o lipedema está relacionado a depósitos de gordura, frequentemente nas pernas ou nos braços. Em alguns casos, as duas condições podem ocorrer juntas, o que torna o diagnóstico e o tratamento mais complexos”, diz Lobato.

Gravidez e linfedema

 

Depois de receber o diagnóstico, a cabeleireira ouviu de um médico de sua cidade que jamais poderia engravidar. “Eu voltei pra casa chorando, porque era o meu sonho”, diz. Aos 18, porém, diante da orientação de outro especialista de que a doença poderia piorar com o tempo, decidiu ter um filho.

Durante a gestação, o edema foi controlado com drenagens linfáticas diárias, repouso e uso de um remédio para melhorar a circulação sanguínea. No pós-parto, no entanto, o quadro se agravou. A partir daí, Bentas parou de se cuidar.

“Eu resolvi que eu não ia mais a nenhuma consulta médica. Simplesmente deixei a vida me levar e me larguei, em termos de cuidados com a saúde. A única coisa que eu fazia era usar meia de compressão”, conta.

O preço de não se cuidar

Sem acompanhamento, o linfedema evoluiu. Segundo a cabeleireira, o membro chegou a triplicar de tamanho, a ponto de não se dobrar mais. “Eu arrastava a perna. Nenhuma roupa servia, nenhum calçado entrava”, afirma.

Até que um dia, aos 31 anos, sentiu uma dor forte quando acordou e colocou o pé no chão. Levada ao hospital, foi internada e seu quadro evoluiu para uma infecção generalizada, após uma bactéria penetrar na região afetada e se espalhar pelo corpo.

Bentas chegou a ficar na UTI e ser desenganada pelos médicos. No entanto, cerca de um mês depois, teve alta. Mesmo depois do susto, continuou negligenciando o tratamento até enfrentar nova crise um ano depois, e ser internada novamente.

“Aí eu me apavorei. Eu entendi que, quando a gente não cuida do linfedema, ele começa a se agravar e vem uma sequência de infecções, como a erisipela. Tive seis até agora”, conta. Só então ela finalmente buscou tratamento.

A busca pelo tratamento

Ao descobrir que um primo distante também tinha linfedema, percebeu que havia um componente genético na sua doença. Por meio do parente, conheceu uma fisioterapeuta especializada em Caxias do Sul (RS), e viajou até a cidade para aprender uma técnica considerada referência no tratamento de linfedema: o enfaixamento compressivo multicamadas, um método que usa bandagens sobre o membro afetado.

Desde então, a cabeleireira passou a seguir um protocolo rigoroso. Além de ficar com a perna enfaixada quase 24 horas por dia, faz drenagem mecânica diária com bota pneumática, drenagem manual semanal e pratica musculação.

Segundo ela, o membro reduziu significativamente de volume. “Mudou completamente a minha vida. Eu estou vivendo de verdade. Eu não me amava e tinha vergonha da minha perna. Pela primeira vez, desde os 15 anos, voltei a usar saia”, comemora.

Luta por mais informação e reconhecimento

Hoje, Bentas compartilha sua rotina nas redes sociais (No Instagram, o perfil é @diojana.dhy). Foi um movimento que começou com o objetivo de tornar a sua história mais conhecida em sua cidade e, assim, fazer uma vaquinha para realizar uma cirurgia de lipoaspiração na perna afetada.

Mas a exposição tomou uma dimensão inesperada. A cabeleireira começou a receber mensagens de pessoas com linfedema de várias partes do Brasil e até de outros países. Com o crescimento espontâneo dos seguidores, Bentas criou um grupo no Telegram exclusivo para pessoas com a doença.

Os mais de 100 participantes se reúnem uma vez por mês em encontros mensais no Zoom com a fisioterapeuta que acompanha Bentas. A profissional participa de forma voluntária, respondendo dúvidas e orientando os pacientes sobre os cuidados diários.

Meu intuito é aumentar o conhecimento sobre linfedema. Tem gente com a doença há mais de 40 anos que nunca soube que existe tratamento. Nem os médicos conhecem direito. Todo dia recebo mensagens de pessoas que começaram a se olhar e a buscar ajuda depois dos meus vídeos.”
— Diojane Bentas, cabeleireira
 
Sinais, sintomas e impactos do linfedema
 

Segundo Armando Lobato, os primeiros sinais do linfedema incluem sensação de peso ou desconforto, rigidez da pele e aumento do volume do braço ou perna afetado. “Além disso, é comum que acessórios como anéis ou relógios comecem a apertar. Quando identificados esses sintomas, é crucial buscar uma avaliação médica especializada para um diagnóstico precoce”, diz.

Embora não tenha cura, a condição pode ser controlada com tratamento multidisciplinar, que envolve drenagem linfática manual, uso de meias ou bandagens compressivas, fisioterapia específica e cuidados com a pele. Em casos mais graves, procedimentos cirúrgicos, como anastomoses linfovenosas ou transplante de linfonodos, podem ser indicados.

O especialista também destaca os impactos emocionais. “O inchaço persistente pode limitar os movimentos, dificultar a realização de atividades diárias e afetar a autoestima. A abordagem terapêutica deve incluir também apoio psicológico para garantir o bem-estar integral da paciente”, afirma.

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