Governo Federal estuda substituir vale-refeição por repasse via Pix ao trabalhador

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda substituir o cartão de vale-refeição por um repasse via Pix pago diretamente aos trabalhadores em qualquer banco ou instituição. Essa é uma das alternativas em análise no debate da regulamentação do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador).

A discussão tem como pano de fundo a busca pela redução dos custos operacionais impostos por empresas do setor de vale-alimentação e vale-refeição, que abocanham uma fatia dos valores desse mercado ao cobrarem taxas dos estabelecimentos comerciais.

Com a reformulação, seria possível pular a etapa de intermediação das grandes empresas emissoras de cartões do benefício.

O novo modelo está sendo avaliado como parte das ações do governo para mitigar os efeitos da alta da inflação de alimentos. O aumento dos preços tem pressionado sobretudo o poder de compra da população de baixa renda, gerando preocupações no Palácio do Planalto pelas potenciais consequências para a popularidade do presidente.

A iniciativa tem sido analisada por integrantes da equipe econômica e é vista como uma forma de garantir que os benefícios cheguem integralmente aos trabalhadores sem que sejam parcialmente retidos pelas empresas intermediárias.

Técnicos têm avaliado que mudanças legislativas são necessárias para que as alterações entrem em prática. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que algumas definições sobre o tema foram tomadas após encontro com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) e com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, no dia 9 de abril, no Palácio do Planalto.

“Nós temos que trabalhar internamente aqui para ver se elas [definições] são juridicamente viáveis para, no prazo de mais ou menos 30 dias, termos uma primeira iniciativa de regulamentação do PAT em benefício do trabalhador”, disse Haddad.

Um dos pontos sensíveis no debate é a avaliação de que efetuar o pagamento diretamente ao trabalhador pode fazer com que os recursos sejam direcionados para qualquer tipo de despesa, e não somente aos gastos com alimentação ou refeição. Entre técnicos do governo há quem defenda que os recursos tenham livre destinação e há quem se oponha a essa ideia.

Apesar do potencial de modernização do sistema de benefícios, a proposta enfrenta resistência do setor de cartões, que argumenta que sua atuação garante controle sobre o uso dos recursos e incentiva hábitos alimentares mais saudáveis.

A ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador), que representa as principais operadoras de vale-refeição e alimentação no país, criticou a possibilidade de substituição do atual modelo de VR por repasses diretos via Pix.

Em nota, a entidade afirmou que a medida significaria, na prática, a extinção do PAT, programa criado há quase 50 anos e que hoje atende mais de 23 milhões de brasileiros -especialmente os que ganham até cinco salários mínimos.

Segundo a ABBT, ao depositar os valores diretamente nas contas dos empregados, o benefício passaria a ter natureza salarial, o que acarretaria a incidência de encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais. Com o aumento dos custos, diz a entidade, muitas empresas deixariam de oferecer o benefício, que não é obrigatório.

A associação também alertou para o risco de desvio de finalidade, afirmando que pesquisas mostram que parte dos valores, quando pagos em dinheiro, tende a ser usada para pagar dívidas, entretenimento ou apostas.

A entidade ainda defende que, em vez de extinguir o PAT, o governo federal deveria ampliá-lo, estendendo os incentivos fiscais hoje restritos às empresas do lucro real também para micro e pequenas empresas do Simples. Para a ABBT, acabar com o programa seria “uma perda irreparável para o trabalhador”, especialmente em um contexto de alta dos alimentos e insegurança alimentar crescente no país.

O presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci, também se opõe à proposta em discussão pelo governo. Para ele, a depender do modelo de regulamentação do PAT, pode-se estimular a volta do chamado rebate -prática em que as fornecedoras oferecem descontos ou subsídios para as empresas fecharem contratos.

“O que sempre defendemos foram ajustes regulatórios que levassem a mais concorrência, o que aos poucos tem acontecido”, disse. “O problema é o subsídio e a interferência do estado.

O governo e suas empresas não deveriam subsidiar mais este benefício ao trabalhador ao nosso entendimento, até por razões fiscais.”

A proposta do Pix aos trabalhadores está sendo discutida em meio às negociações sobre a regulamentação da portabilidade e interoperabilidade dos cartões oferecidos pelas empresas beneficiárias do PAT.

O Banco Central não pretende assumir o papel de regulador desse mercado. Há a expectativa de que essa atribuição fique sob responsabilidade do Ministério do Trabalho e Emprego.

O diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do BC, Renato Gomes, afirmou nesta quinta-feira (24) que os arranjos de pagamento vinculados ao PAT não oferecem risco sistêmico ao país e que, portanto, não cabe à autoridade monetária essa função.

“Os arranjos associados ao PAT não são sistemicamente importantes para serem regulados pelo Banco Central. Eles têm objetivo de política pública que excede em muito a atuação que nós temos como regulador do sistema financeiro de pagamentos, têm relação estrita com uma política de trabalho”, disse.

“Seja no aspecto sistêmico, seja no aspecto de pagamentos, nós entendemos que são temas que não deveriam ser tratados pelo Banco Central. Essa posição não mudou, não vejo no horizonte nenhuma mudança a esse respeito”, acrescentou.

Questionado sobre a viabilidade de implementar a portabilidade e a interoperabilidade sem uma atuação do BC, Gomes disse que “deve haver opções”.

“A ABBT tinha propostas nesse sentido, acho que a indústria está estudando maneiras de implementar isso, o Ministério do Trabalho está muito dedicado a esse tema. Eu não posso comentar nada específico porque não é do nosso perímetro regulatório”, afirmou.

As declarações foram dadas na apresentação da lista de prioridades da agenda regulatória do BC para o biênio 2025-2026.

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