Empresas pedem baixa do CNPJ de novos contratados

Grandes empresas de tecnologia atuando no Brasil começaram a pedir para alguns novos contratados CLT que deem baixa nos seus CNPJs, visando garantir a exclusividade na prestação de serviços dos novos funcionários.

A reportagem do Baguete ficou sabendo da situação por um post de um profissional de tecnologia no LinkedIn, e moveu mundos e fundos para averiguar se trata-se de uma prática difundida (o que é difícil, porque as empresas não divulgam essas coisas).  

Além do caso original, o Baguete encontrou outros quatro profissionais que receberam o pedido de fechar o seu CNPJ como condição para uma contratação, sempre em grandes empresas multinacionais atuantes no país.

A reportagem também encontrou um grande número de profissionais (e também de donos de empresas de tecnologia brasileiras) que nunca ouviram falar de algo parecido, o que indica que a ideia pode ser relativamente recente. 

Na Brasscom, entidade que representa algumas das maiores empresas de tecnologia do país, e tem na chamada “celetização” uma das suas principais bandeiras no momento, ninguém ouviu falar do assunto ainda. 

“A Brasscom desconhece a prática de obrigar o colaborador a fechar empresas vinculadas ao nome, além disso não temos o conhecimento das práticas e políticas internas das empresas associadas”, disse a entidade em nota enviada ao Baguete.

A Brasscom afirma que vai levar o assunto para seus grupos de trabalho. 

O Baguete também procurou o Sindpd, poderoso sindicato paulista que se preza dos seus dotes investigativos e não perde uma ocasião de pressionar grandes empresas, mas não teve resposta até o momento. 

A reportagem conversou com uma fonte na área de RH, para quem a nova exigência é uma reação ao aumento do trabalho “por fora” dos profissionais de TI.

“Os profissionais de TI sempre tiveram freelas: pequenas demandas que surgiam e eram atendidas por fora; poucas horas por mês dedicadas a uma sustentação antiga de uma pequena empresa; um projeto próprio… Isso sempre existiu, mas me parece que nos últimos anos essas atividades extras estão tomando uma outra dimensão”, aponta a profissional, que preferiu ficar anônima.

Para alguns profissionais ouvidos pelo Baguete, a medida é sobretudo ingênua, tendo em conta as possibilidades como usar o CPNJ de outra pessoa, ou uma cooperativa de profissionais, duas práticas disseminadas. 

“Se o cara for picareta ele vai dar um jeito, independente de ter um CNPJ aberto ou não. A verdade é que para resolver isso só existe duas formas: ou chama pro office full-time, ou cria uma metodologia de contratação e trabalho que consiga prever esse tipo de situação desagradável”, disse um profissional ouvido pelo Baguete. 

Outro profissional ouvido pelo Baguete apontou, sinteticamente, que “dificuldades não são garantias” e que a exigência de baixa do CNPJ criava mais que nada “uma falsa garantia” para o empregador ao mesmo tempo em que o contratado recebe um “downside já no início”.  

O QUE DIZEM OS ADVOGADOS

Caso a moda de pedir baixa do CNPJ pegue, o assunto deve gerar algum processo no futuro,  porque a ideia de obrigar alguém a dar baixa de um CNPJ parece no mínimo controversa do ponto de vista das regras trabalhistas do Brasil.

A reportagem do Baguete procurou sete escritórios de advocacia diferentes para falar sobre o tema. 

Todos já ouviram falar do assunto antes e o consenso geral foi de que não existe uma previsão específica na CLT que embase o pedido de dar baixa no CNPJ como uma prerrogativa para contratar alguém. Dentro disso, as opiniões divergem. 

“A exigência de baixa da empresa constituída pelo empregado, antes da sua contratação, embora não tenha previsão legal, pode ser admitida como válida se essa providência for relevante para a execução daquelas atividades no contrato de trabalho”, aponta Daniele Slivinski, especialista em direito trabalhista da curitibana Andersen Ballão Advocacia. 

Slivinski frisa, porém, que já existem previsões dentro da CLT que estipulam demissão por justa causa para funcionários que prestem serviços “por fora”, ou firam condições como  confidencialidade, se essas estiverem estabelecidas no contrato de trabalho.

Larissa Mendes, advogada trabalhista do HM Advogados Associados, vê a situação de uma forma mais crítica.  

“Essa conduta pode ser interpretada como uma tentativa de limitar a concorrência, o que é vedado por lei. Outro risco que deve ser levado em consideração são as possíveis indenizações por danos morais e materiais, uma vez que tal ato pode gerar prejuízos ao colaborador”, afirma Mendes. 

Daniel Rangel, Head de Consultoria Trabalhista na Drummond Advisors, vai em uma direção parecida. 

“As empresas que adotam a prática de exigir baixa em CNPJ como condição para a contratação de funcionários podem estar se expondo a riscos jurídicos futuros, principalmente no que diz respeito à liberdade econômica e ao direito constitucional ao livre exercício de atividades profissionais”, aponta Rangel. 

O como a exigência é feita também é importante, aponta Antonio Vasconcellos Júnior, sócio-fundador da AVJ Advogados Associados

“Se a cláusula de exclusividade for negociada de forma clara e consensual, com contrapartidas, como o pagamento de valores ou benefícios adicionais, a exigência de baixa do CNPJ pode ser legal e legítima. No entanto, se essa exigência for feita de forma unilateral e sem negociação justa, pode sim criar um risco jurídico para a empresa”, aponta Vasconcellos.

Peterson Muta, advogado trabalhista do LO Baptista, aponta que outro problema pode sugir se, no futuro, a empresa contratante achar que é uma boa ideia converter esse profissional CLT num PJ (essas coisas acontecem).

“Neste caso, a existência dessa exigência possa ser questionada se eventualmente algum empregado/prestador de serviços se sentir prejudicado, sobretudo se na nova modalidade de contratação não houve nenhuma alteração na relação de trabalho, mas tão somente na forma de pagamento”, explica Muta.

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