Trump semeia vento, mas começa a colher tempestade

Steve Bannon nos alertou há cinco anos ao oferecer seu conselho sobre como Trump deveria agir após uma vitória eleitoral em 2024: “A mídia só pode – porque eles são burros e preguiçosos –, eles só podem se concentrar em uma coisa de cada vez”, disse ele. “Tudo o que temos a fazer é ‘inundar a área’. Todos os dias nós os atingimos com três coisas. Eles vão pegar uma, e nós faremos todas as nossas coisas, bang, bang, bang. Esses caras nunca – nunca serão capazes de se recuperar.” Bannon chamou a técnica de “choque e pavor” em referência ao bombardeio aéreo dos EUA no Iraque antes da invasão do país por Bush, em 2003.

Embora essa citação não tenha sido incluída na introdução do Projeto 2025: O Projeto de Transição Presidencial, a estratégia foi efetivamente implementada pelo novo governo. Seguindo o plano elaborado pela Heritage Foundation, um think tank da extrema direita, sobre como fazer uma reestruturação abrangente do governo dos EUA para atender às metas neoliberais, Trump inventou o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), que não é um departamento do governo nem atua com grande eficiência. Ele também nomeou Elon Musk para fazer o trabalho sujo de reduzir os programas de assistência do governo, eliminar regulamentações federais, enfraquecer os sindicatos de funcionários e criar um sentimento público a favor da privatização da previdência social e outros programas governamentais.

A estratégia parecia muito eficaz. Todos os dias, antes de ler o jornal ou assistir ao noticiário matinal na TV, inevitavelmente você se pergunta: “Quais serão os novos desastres do dia?”. Com um suspiro profundo, percebe-se que é preciso confrontar o ciclo diário de notícias com o fluxo interminável de declarações provocativas, falsidades, estatísticas inventadas e ideias bizarras de Trump.

Até duas semanas atrás, era fácil argumentar que as técnicas de Trump estavam funcionando. O caos, a demissão arbitrária de centenas de milhares de funcionários públicos e o desmantelamento de elementos-chave do estado de bem-estar social causaram desmoralização generalizada, confusão e frustração. Setores progressistas do Partido Democrata começaram a questionar a liderança do senador Chuck Schumer, que se juntou a outros sete senadores para votar a favor de um projeto de lei patrocinado pelos republicanos estendendo as dotações do orçamento federal por mais seis meses, para evitar uma paralisação do governo que deixaria milhões sem salários, até que Trump decidisse reabrir o governo. Em resposta a essas críticas, os líderes democratas moderados alertaram que Trump poderia ter mantido a burocracia federal fechada por um tempo ilimitado para destruir ainda mais programas do governo.

Na arena internacional, os pronunciamentos expansionistas de Trump – ameaçando anexar a Canadá, conquistar a Groenlândia, retomar o Canal do Panamá, transformar a Faixa de Gaza em um resort de jogos de azar, enfraquecer e/ou acabar com a Otan e construir um relacionamento colaborativo com a Rússia – tiveram o mesmo efeito de criar tantas distrações que é difícil focar quais ataques de Trump precisam ser abordados imediatamente e quais são meramente projetados para esgotar o público em exaustão e frustração.

Uma das frentes de resistência mais eficazes até agora tem sido o sucesso da maioria dos 150 processos judiciais que foram movidos contra Trump, a maioria alegando que os decretos presidenciais são inconstitucionais. Nesse sentido, membros do Judiciário assumiram um papel crítico na defesa de normas e procedimentos democráticos.

Ao mesmo tempo, Trump continua a realizar a campanha para deportar milhões de imigrantes que vivem e trabalham nos Estados Unidos. Até agora, em muitos desses casos, os juízes só conseguiram oferecer ordens de restrição temporária para interromper as ações do governo. Isso incluiu bloquear a deportação de alguns dos 300 estudantes de outros países inscritos em universidades estadunidenses, acusados ​​de supostamente apoiar o terrorismo.

Outra ordem emitida pelo Judiciário obrigou o governo a recontratar dezenas de milhares de funcionários demitidos. Vários juízes também restauraram programas governamentais cortados pelas operações de Elon Musk. 

Para cumprir com a sua promessa eleitoral e aumentar o número de deportações, sem passar pelos procedimentos garantidos na constituição dos EUA, Trump convocou a Lei de Inimigos Estrangeiros (Alien Enemies Act) de 1798, argumentando que as operações de uma facção venezuelana nos Estados Unidos, a Tren de Aragua, representam uma invasão de uma nação estrangeira. Essa lei permite a expulsão de quaisquer estrangeiros sem nenhum devido processo quando os Estados Unidos estão em guerra. A lei só foi usada durante a Guerra de 1812 contra a Grã-Bretanha, na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial, o que levou à internação de 120 mil nipo-americanos. 

Ao analisar o caso atual, no qual os venezuelanos foram enviados para uma prisão de segurança máxima em El Salvador, a juíza Patricia Millett comentou que “os nazistas receberam melhor tratamento sob a Lei de Inimigos Estrangeiros do que aconteceu aqui”. (Ao contrário do governo Trump, o governo do presidente Franklin D. Roosevelt, nos anos 1940, garantiu a audiência daqueles sob consideração para deportação.) 

Os juízes que se posicionaram contra as ordens de deportação foram imediatamente atacados pelo governo Trump. Mesmo uma crítica pública de John Roberts, presidente da Suprema Corte dos EUA, não deteve Trump, que continua a agredir os juízes que tomam decisões contra ele.

E em prol da “turnê de retaliação“, Trump chantageou dois dos principais escritórios de advocacia de Washington DC, que têm levado casos contra o governo ao tribunal. Ameaçado de remover o acesso desses escritórios às autorizações de segurança, que são essenciais para advogados que lidam com casos relacionados ao governo, um se ofereceu para fornecer 40 milhões de dólares em serviços jurídicos pro bono para qualquer uma das causas de Trump e outro prometeu 100 milhões de dólares em serviços gratuitos para impedir que o decreto de Trump entrasse em vigor. Embora seja provável que essas medidas sejam consideradas inconstitucionais, elas tiveram o efeito de intimidar e silenciar alguns escritórios, embora outros atacados por Trump não tenham cedido às suas ameaças.

Com a campanha para desmantelar o governo dos EUA em pleno vigor, houve ainda a revelação, na semana passada, do jornalista Jeffrey Goldberg, da revista Atlantic, de que ele havia sido acidentalmente adicionado a um grupo do aplicativo Signal onde estão figuras importantes no gabinete de Trump, incluindo o vice-presidente, J. D. Vance, o conselheiro de Segurança Nacional Waltz, o secretário de Defesa, Hegseth, e o secretário do Departamento de Estado, Rubio. Na conversa, Hegseth compartilhou informações confidenciais sobre um ataque aéreo iminente a combatentes houthis no Iêmen. 

Quando a história foi publicada, o governo negou que Hegseth tivesse compartilhado informações confidenciais. Os democratas pediram uma investigação e a renúncia imediata de Waltz e Hegseth. Enquanto Trump continua a apoiar ambas as figuras publicamente, jornalistas relataram que o presidente tem consultado assessores sobre se ele deve ou não demitir Waltz para fazer a história desaparecer. Embora não seja uma divisão pública entre as forças de Trump, sua administração está lentamente se quebrando de dentro para fora. Hillary Clinton, que foi implacavelmente atacada por Trump na campanha presidencial de 2016 por seu uso de um servidor desprotegido, chamou as ações da administração de simplesmente “estúpidas”.

E agora Trump promete impor novas tarifas. Quer ele recue ou não de suas ameaças contra o Canadá, México, China, Europa e outras partes do mundo, os economistas insistem que suas políticas levaram à instabilidade nos mercados financeiros e ao provável aumento da inflação. Sem dúvida, o anúncio das tarifas foi projetado mais uma vez para chocar e apavorar. Em breve veremos se essa estratégia continuará a manter a oposição desprevenida, confusa e exausta ou se provocará mais resistência ao presidente e às suas políticas.

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