Mulheres ainda são 3,2% entre pilotos no Brasil

Pilotar um avião ainda é uma atividade majoritariamente feita por homens em 2025, independente da localização. No Brasil, 2.066 mulheres têm habilitação de piloto. O número sobe para 62.461 entre o sexo masculino. O valor representa 96,8% da carreira, enquanto o público feminino compõe 3,2% do grupo, conforme a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Presença feminina na aviação civil
Yura Yarema – stock.adobe.com

“A probabilidade é que, quando você entre em um avião, encontre um piloto homem. Falta representatividade no sentido de que as crianças, quando veem um piloto, o que elas veem é um homem”, explica a chefe de Gabinete e gerente do subprograma Inclusão e Diversidade do Programa Asas para Todos, Ana Benevides.

No mundo, os dados também não são animadores: 5% dos postos de trabalho como piloto são ocupados por mulheres, segundo a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI). A falta de representatividade é a ponta do iceberg de um problema maior. Em estimativas conservadoras da instituição, o tráfego aéreo vai duplicar até 2034 a nível mundial. “Se vamos ter duas vezes mais voos do que tem hoje, quem vão ser os pilotos que vão estar nesses voos?”, questiona.

Ana Benevides
João Batista Ana Benevides

A falta de representatividade e barreiras históricas explicam parcialmente a realidade. Em um país com 51,5% da população feminina (conforme os dados do IBGE de 2022, são 104,5 milhões de mulheres no Brasil), a especialista reforça que o problema implica, também, em talentos que não são desenvolvidos. “A gente está falando de perda de potencial, crescimento e inovação”, sintetiza Ana. Nas páginas a seguir, apresentamos iniciativas e mulheres que vão na contramão desse cenário.

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Construção

“Algumas dessas barreiras são de ordem histórica e institucional. Na aviação militar, até meados de 1990, as mulheres não podiam ser aviadoras. Estamos falando de 30 anos atrás, um histórico recente. Essas trajetórias tendem a se perpetuar no tempo, mesmo depois que a barreira formal é retirada”, contextualiza Ana.

Aos poucos, a aviação evoluiu e, hoje, ações buscam a equidade. No Asas para Todos, programa da Anac, projetos são traçados para acabar com a desigualdade de gênero do setor, promover diversidade e capacitar novos profissionais.

Três eixos

Entre os eixos de atuação, assegurar o respeito no espaço de trabalho é o primeiro deles. “Precisamos garantir um ambiente em que ser mulher não seja um prejuízo ao seu crescimento profissional”, sintetiza. Para isso, tornar os homens aliados é fundamental, explica.

O segundo eixo é relacionado à representatividade. “Existem estudos publicados no Reino Unido em que as crianças começam a formar essas percepções [de estereotipização de gênero, ou seja, de que algumas carreiras são para mulheres e outras para homens] antes dos 7 anos. Queremos que todas as crianças, independentemente de gênero, possam sonhar os mesmos sonhos”, analisa.

Exibição do filme Only Up, em São José dos Campos
Divulgação/Anac
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Através do projeto Criando Asas, a ANAC visita escolas com profissionais femininas do setor para conversas com alunos de até 9 anos. Com a iniciativa Asas da História, estudantes são recebidos nos aeroportos. A exibição do documentário canadense Only Up, que mostra a carreira de mulheres na aviação civil, também foi promovida em três estados em 2024.

Por fim, o terceiro eixo disponibiliza bolsas de estudo voltadas a pessoas de baixa renda. Foram 104 vagas abertas em 2024 para o curso de mecânicos e 61 delas ocupadas por mulheres. Na formação de pilotos, eram 20 ofertas — sendo 10 concedidas ao público feminino.

Visita ao aeroporto de Brasília, do projeto Asas da História
Divulgação/Anac
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Caminho longo

Em 2019, o 25by2025 surgiu com o propósito de desenvolver a equidade entre os gêneros. Desenvolvido pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), o programa propunha às empresas concretizar ao menos uma das duas metas até 2025: aumentar o número de funcionárias em 25% ou atingir uma parcela mínima de 25% de mulheres no time. O objetivo era relacionado, em especial, a profissionais da cabine de comando, manutenção e engenharia, áreas majoritariamente masculinas.

Entre as duas maiores companhias brasileiras que fazem parte da iniciativa 25by2025, a representação feminina é de 2,86% — são 71 mulheres e, enquanto isso, 2.477 homens. Na última atualização publicada em 2022, a Azul informou contar com 22 mulheres (2%) como comandantes. Na Gol, 49 pilotas (3,09%) integravam a tripulação técnica em 2023.

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Barreiras

“Sem dúvida, a minha maior barreira foi a falta de representatividade. Foi ouvir de todas as pessoas, amigos e familiares, que isso não era para mim. Não porque eles não acreditavam, mas porque não havia nenhuma outra mulher que representasse que era possível ser aviadora”, relata a especialista em Regulação de Aviação Civil na Anac, Daniele Silvério, 37 anos.

Daniele Silvério
Acervo pessoal Daniele Silvério

Não ter alguém como inspiração e enfrentar o alto custo para a formação — que atinge, hoje, R$ 165 mil — estendeu por 10 anos o processo para finalizar as horas de voo. A graduação em Ciências Aeronáuticas, iniciada em 2006, foi o primeiro passo.

Em direção à habilitação, a fase seguinte incluía a conclusão da carga de tempo necessária. As primeiras horas de voo foram fruto das aulas particulares de reforço de Matemática, Cálculo 1 e Estatística, aos colegas pilotos durante a faculdade. Após sua formatura, teve seu primeiro emprego em uma fábrica de construção de instrumentos para auxiliar a aproximação de pouso e decolagem, PAPIS, VAVIS e birutas.

Contra a correnteza

“Daniele, você está desafiando a natureza. Você não percebe que esse lugar não é para a gente que é pobre?” foi uma frase que marcou a trajetória da especialista. A escassez de referências que provavam que o caminho era possível era um empecilho, também, à família. “Eu não a culpo e não falo isso com pesar. [Houve] a falta de alguém para me espelhar, que eu pudesse falar: ‘ela está ali, então eu posso estar’, não só para mim, mas para as pessoas ao meu redor. Ouvir que eu estava desafiando a natureza sempre foi algo que ecoou dentro de mim”, relembra.

Ao longo dos anos, entre horas de voo e certificações, atuou na gestão aeroportuária, contratos Off shore e estruturação financeira de acordo com a infraestrutura operacional, fruto da sua segunda formação em Gestão financeira na FGV. Daniele trabalhou como superintendente e diretora aeroportuária e se especializou em investigação de acidentes, Safety, Security, e Qualidade, auditoria interna e AVSEC (segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita). Atualmente, está cursando mestrado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, em Safety e Aeronavegabilidade continuada.

Conclusão do curso de piloto comercial
Acervo pessoal

A primeira

Em 2024, concluiu as horas necessárias e atingiu a habilitação de piloto comercial. À época, realizou a prova do concurso da Anac e foi selecionada junto a outras 70 pessoas para o curso de formação.

“Eu não tive a curiosidade de olhar todos os aprovados, mas no primeiro coffee break do curso, um dos candidatos do concurso pegou na minha mão e disse: ‘eu e minha esposa estávamos torcendo por você’”, conta. Logo depois, outra pessoa a recebeu com orgulho. Então, Daniele descobriu que era a única mulher entre os alunos.

Não demorou para que ela se desse conta de que o feito ultrapassou a turma. “Um professor perguntou ‘quem é a única mulher do curso?’ e eu levantei a mão. Então, ele falou ‘você vai ser a nossa primeira mulher nessa posição de especialista piloto’. E ali eu soube.” Hoje, Daniele divide o cargo com outros 720 especialistas em Regulação de Aviação Civil, conforme os dados da Anac de fevereiro. Na Agência, a profissional integra o Asas para Todos e, junto ao projeto Criando Asas, visita escolas para inspirar crianças e adolescentes.

Contação de histórias do projeto Criando Asas
Divulgação/Anac Contação de histórias do projeto Criando Asas

Desejo despertado

Ser piloto de avião parecia distante para a hamburguense Joseane Fabian Santarossa, 37 anos. “A única referência era o filme Top Gun. Era um mundo à parte da realidade que eu tinha”, relata.

Joseane Fabian Santarossa como comissária de bordo
Acervo pessoal

O interesse pelo setor cresceu em uma viagem para a Nova Zelândia, em um intercâmbio voltado ao aprendizado de inglês. No retorno ao Brasil, Joseane iniciou a formação de comissária de bordo. Nas aulas, as matérias relacionadas ao comando do voo chamavam mais atenção. Já formada, passou a trabalhar na Etihad Airways, nos Emirados Árabes. Pouco tempo depois de ingressar na companhia, se candidatou no processo para se tornar pilota. Foram quase três anos de espera, mas a oportunidade não surgiu.

Era a hora, então, de voltar novamente para o Brasil e iniciar as horas de voo. O processo foi concluído com o apoio da família — mesmo que o pai, no começo, não entendesse o trabalho. “Hoje eles estão super orgulhosos. A gente tem que desvendar isso de que sim, é possível.”

Vão ser elas?

“Em um voo a São Paulo com uma comandante panamenha, os passageiros comentaram ‘nossa, vão ser elas?’. Eles não sabiam que eu entendia e que eu era brasileira”, relembra. Por outro lado, apesar do episódio, para Joseane, a balança dos comentários é positiva e os viajantes ficam felizes em ter mulheres no comando do voo. Momentos de desconfiança são minoria e prevalecem relatos alegres e de inspiração.

A primeira instrutora

O processo para pilotar começou em 2011, em Eldorado do Sul. Lá, conheceu o marido Gabriele Santarossa, também piloto, e se tornou instrutora de voo. Pouco tempo depois, Joseane trabalhou em uma escola de aviação no Aeroporto Internacional Salgado Filho, onde concluiu as horas mínimas para a habilitação como piloto comercial. Ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo na instituição.

Curso de formação foi feito no interior do RS
Acervo pessoal

Com a formação concluída, Joseane e Gabriele decidiram morar no Panamá em 2014, onde o marido iniciou na Copa Airlines. Para concluir as horas necessárias e também trabalhar na empresa, ela atuou como safety pilot — cargo semelhante ao de instrutor. Três anos depois, iniciou na companhia e passou a voar entre as Américas. O casal descobriu a gravidez meses antes da pandemia de Covid-19, em 2019. A dupla voltou ao Brasil em um voo humanitário e, então, o filho Eric, hoje com 4 anos, nasceu porto-alegrense.

Maio de 2024

Quatro anos após a pandemia, o casal viveu outra interrupção: com a enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024, o voo de Joseane e Gabriele foi o último que conectou o Panamá a Porto Alegre. Foram cinco meses e meio em que o Aeroporto Internacional Salgado Filho permaneceu fechado e sete meses e meio com a suspensão de voos internacionais.

Joseane e Gabriele voam juntos pela Copa Airlines
Acervo pessoal

O Boeing 737 Max 9, da Copa Airlines, foi o primeiro avião a decolar do aeroporto em 19 de dezembro em direção a um destino no exterior. A retomada do estado gaúcho também se tornou um episódio marcante para a família: na cabine, Joseane e Gabriele dividiram o voo — ela, como comandante, ele, como copiloto.

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