Pesquisador da Unicamp faz inventário inédito na Antártica

Desde o final de janeiro, morando na estação do Brasil na Antártica, o professor do Departamento de Biologia Animal do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp André Garraffoni voltou ao país em meados de março com material suficiente para alguns anos de pesquisa. Dele e de, ao menos, uma dezena de pesquisadores de diversas instituições de ensino e pesquisa.

Como parte do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), uma iniciativa conjunta da Marinha do Brasil, da Força Aérea Brasileira e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – que coordenaram as atividades científicas e ofereceram apoio operacional na região –, o pesquisador da Unicamp foi o responsável por um inventário inédito, que deverá servir de base para o desenvolvimento de novos estudos em diferentes áreas.

Os pesquisadores estiveram instalados na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), localizada na Baía do Almirantado, na Ilha do Rei George. O percurso até lá era de sete dias. No caso de Garraffoni, houve um primeiro deslocamento de Campinas até o Rio de Janeiro. De lá, para Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde recebeu roupas apropriadas para a região antártica (botas para andar no gelo, blusas impermeáveis etc.) e, depois, a viagem para Punta Arenas, no sul do Chile. De Punta Arenas, mais quatro dias de barco até a EACF.

André Garraffoni foi o único representante da Unicamp na base e manteve intensa rotina de trabalho
André Garraffoni foi o único representante da Unicamp na base e manteve intensa rotina de trabalho

Único representante da Unicamp na base, Garraffoni manteve uma intensa rotina de trabalho. Desde que chegou à estação, recolheu várias amostras de musgos, a vegetação predominante na Antártica, subiu montanhas cobertas de neve, percorreu o leito de rios resultantes de degelo e coletou amostras no litoral e em áreas úmidas em busca de animais microscópicos originários da região, invisíveis a olho nu. “Eles têm o tamanho de um grão de areia, alguns menos que isso”, explica.

A dinâmica de desenvolvimento desses seres vivos, segundo o pesquisador, pode indicar eventuais anomalias ambientais ou potenciais alterações nos padrões de temperatura e clima do Polo Sul.

O interesse do biólogo tem um foco específico. O cientista deseja entender a diversidade de tardígrados presentes na região antártica. Os tardígrados são invertebrados ultrarresistentes. Capazes de ingressar em um estado de criptobiose (um estado de latência em que o organismo reduz drasticamente seu metabolismo), sobrevivem a condições extremas, como frio intenso ou uma falta severa de água.

Esse projeto na Antártida é uma espécie de continuação de um trabalho que o próprio Garraffoni iniciou na Unicamp, onde orientou uma pesquisa de Emiliana Brotto, que identificou em árvores do campus da Unicamp em Campinas uma nova espécie de tardígrado, animais popularmente chamados de ursos d´água (acesse a matéria completa).

O pesquisador explica que a missão teve como objetivo fazer um levantamento exaustivo sobre as espécies do filo Tardigrada (conhecidas ou não) e saber como esses animais ­– e outros similares que compõem a fauna da região antártica – poderão reagir às mudanças climáticas, que já provocaram, por exemplo, um aumento da temperatura nos polos.

“Precisamos saber se toda essa fauna microscópica, base de uma imensa cadeia alimentar, vai ser afetada pelas mudanças climáticas”, diz o professor. “Mas, antes de fazer perguntas como essas, eu preciso saber o que é que há. Por isso, essa primeira fase do projeto pretende responder a perguntas mais básicas: quais são as espécies e que tipo de organismos existem na Antártica.”

O pesquisador recolheu várias amostras de musgos, a vegetação predominante na Antártica
O pesquisador recolheu várias amostras de musgos, a vegetação predominante na Antártica

Segundo Garraffoni, esse trabalho de catalogação das espécies de tardígrados antárticos sofre uma limitação também notada no caso das espécies brasileiras. O que se sabe atualmente sobre a diversidade desses animais microscópicos no Brasil resulta do trabalho de cientistas das décadas de 1930 a 1950. Esse levantamento, afirma, representa algo inédito, apesar de o Brasil realizar pesquisas regularmente na região há mais de quatro décadas.

“Trata-se de trabalhos fantásticos, pioneiros, mas hoje, com o avanço da tecnologia, temos condições de progredir muito mais no detalhamento da descrição da espécie. Antes uma ou duas características bastavam para que se fizessem as classificações. Hoje, sabemos que existem de 10 a 15 características diferentes e que precisam ser levadas em conta”, ressalva.  

Briófitas da Antártica

Garraffoni conta que o projeto, iniciado há quatro anos, ganhou o nome de Bryoantar – as briófitas da Antártica –, mas que só agora foi aberta uma frente dedicada exclusivamente à fauna.

“A gente sabe que há tardígrados porque a literatura os registra em outras regiões da Antártica, mas na Ilha do Rei George, nas imediações da Baía do Almirantado, estamos fazendo uma prospecção inicial. Literalmente, a gente está procurando saber o que é que existe, já que, em termos de coleta, registro fotográfico e catalogação, o que foi feito até aqui é zero”, revela.

Pesquisador identificou indivíduos do filo Gastrotricha que ocorrem em água doce e também na água marinha
Foram identificados indivíduos do filo Gastrotricha que ocorrem em água doce e também na água marinha

Animais microscópicos

Garraffoni diz que, em termos geológicos, a região antártica fazia parte de um continente gigante, formado pela América do Sul, pela Índia e pela África. Esse continente, depois de milhões de anos, acabou se dividindo. O cientista acredita que, por isso, há ali uma quantidade imensa de animais microscópicos e de grande diversidade, apostando então que o trabalho vai se desdobrar em dezenas de pesquisas, em diferentes áreas.

“O pessoal da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz], por exemplo, está interessado em ácaros. Coletamos amostras, fazendo uma primeira triagem, e vamos entregar o material para que eles possam estudar”, conta. A ideia, segundo o biólogo, é fazer isso com outros animais encontrados no território.

Existe, por exemplo, um grupo para estudos sobre insetos – um tipo de animal com poucos representantes naquela região inóspita, que no verão registra temperaturas de -4 ºC, as quais, com o vento, chegam a -8 ºC e sensação térmica de -15 ºC.  No inverno a sensação térmica desaba para cerca de -25 ºC.

“Nós vamos ter um grupo que vai estudar insetos nos tapetes de musgo, além de monitorar espécies que foram introduzidas em ilhas subantárticas e que, com o aumento da temperatura, estão expandindo sua área de distribuição e podem estabelecer populações rumo ao continente antártico”, argumenta.

A hipótese mais plausível é que esses animais tenham chegado à região pela ação do homem, em itens alimentícios levados pelos pesquisadores. Garraffoni conta haver registros de mariposas nas proximidades das estações de pesquisa, indicando se tratar de uma ação antrópica e não de algo resultante das alterações no clima.

Nova espécie

Garraffoni diz que identificou ao menos uma nova espécie de gastrotríquio na Antártica. Os indivíduos do filo Gastrotricha são animais minúsculos que medem entre 0,06 mm a 3 mm e que ocorrem em água doce e também na água marinha, alimentando-se de bactérias, algas e detritos orgânicos.

“Esse filo nunca havia sido registrado na região. Eu até brinco, porque ninguém fez o que eu fiz: ficar olhando grão de areia por grão de areia”, conta o pesquisador. Garraffoni afirma ter encontrado oito indivíduos e que, devido a seu tamanho reduzido (apenas 0,1 mm), só conseguiu trabalhar com seis deles, pois os outros dois acabaram inutilizados durante a observação sob o microscópio óptico. De qualquer maneira, segundo o cientista, o animal já está devidamente registrado e catalogado “Fiquei muito feliz de ter feito o primeiro registro desse filo na parte continental da Antártica”, conta.

Garraffoni e seus orientandos vão submeter os animais coletados a uma série de observações nos laboratórios do IB, em condições mais favoráveis que as encontradas na base da Antártica.

O cientista lembra, por exemplo, que um microscópio multiusuário disponibilizado no IB aumenta o tamanho do objeto observado em até 20 mil vezes. Para se ter uma ideia do ganho, o microscópio com que ele trabalha na base da Antártica oferece um aumento de até mil vezes.

“A partir do momento em que a gente conseguir saber quais as espécies temos aqui [na Antártica], estimar as populações, ver como estão distribuídas, eu posso começar a fazer outros tipos de perguntas. O que foi feito é o trabalho mais básico possível. A partir daí, o céu é o limite”, avisa Garraffoni.

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