Dentista de SP vence câncer raro descoberto com filha bebê: ‘Mudou forma de ver a vida’

A vida da cirurgiã dentista Ana Luiza Prestes, 29, de São Bernardo do Campo, São Paulo, virou do avesso quando descobriu um raro tipo de câncer que afeta a cabeça e o pescoço. Em outubro de 2023, ela foi diagnosticada com carcinoma adenoide cístico, um tumor maligno que geralmente se desenvolve nas glândulas salivares e atinge 4,5 em cada 100 mil pessoas, segundo dados da Cleveland Clinic (EUA). “O primeiro sintoma foi uma parestesia, popularmente chamado de sensação de dormência em metade do céu da boca”, explicou, em entrevista exclusiva à CRESCER.

Alguns dias depois, passou a sentir dor na região da glândula salivar toda vez que tomava água gelada, suco ou algo mais azedo. “Após alguns meses, senti dor na face e posteriormente ela se concentrou mais onde o tumor estava localizado, no céu da boca. A dor ia e vinha… Alguns meses depois, senti que não conseguia mais respirar pela narina esquerda. Foi quando o tumor já havia crescido tanto, que estava obstruindo a passagem de ar pelo nariz”, lembra.

Preocupada, ela decidiu procurar um otorrino para investigar o porquê não conseguia respirar direito. “Ele pediu uma tomografia. Quando viu o resultado, já podia ver um tumor de 5 cm na região da maxila [parte superior do rosto, que inclui a base do nariz e a maioria da boca]”, recorda. Não foi nada fácil receber essa notícia. “Foi o dia mais difícil de toda minha vida, sem sombra de dúvidas. Ouvir do médico que era câncer, perguntar se eu iria morrer e ouvir apenas um silêncio ensurdecedor, seguido de uma cara de preocupação e das palavras: ‘Primeiro precisamos saber que tipo de tumor estamos falando’, foi dilacerante em níveis que nem consigo explicar”, lamenta.

“Voltar para casa e ter que convidar meus pais para sentar, para dar a notícia mais difícil da vida deles, me destruiu. Foi o dia que mais senti o quanto somos frágeis e dependemos de Deus para nos restaurar e nos dar forças para seguir em frente”, acrescenta.

Diagnóstico e tratamento

Logo que recebeu o resultado da tomografia, Ana Luiza marcou uma consulta com um cirurgião. Ela, então, foi internada no dia seguinte para fazer a biópsia e planejar o tratamento. Foi aí que descobriram que se tratava de um carcinoma adenoide cístico. “O tratamento era apenas cirúrgico e radioterápico, para garantir uma segurança maior, para que ele não retorne. Ele não responde à quimioterapia, então essa não foi uma opção”, explica.

Ana Luiza foi para Curitiba, Paraná, onde realizou uma cirurgia para retirar todo o tumor com margem de segurança, ou seja, metade da maxila e toda estrutura que estivesse por perto, para evitar que ficassem quaisquer células residuais. Isso inclui o assoalho da órbita, o céu da boca, dentes, o osso que sustenta o nariz e o que segura o olho do lado esquerdo. A cirurgia durou em torno de 13 horas. “Para a reconstrução, utilizaram a pele e um osso da minha perna (fíbula), para ‘fechar’ por dentro da cavidade oral”, conta.

Ela precisou ficar internada alguns dias na UTI até que recebeu alta. “Quando já estava em casa, o enxerto parou de perfundir sangue, ou seja, o perdi e precisei refazer com urgência. Dessa vez utilizando apenas a pele e musculatura da coxa. Mais uma cirurgia grande… Assim que me recuperei, fiz mais 30 sessões de radioterapia”, diz.

‘Só uma mãe e um pai podem entender o medo de não estar aqui pelos filhos’

Ana Luiza é mãe de Cecília, que na época do diagnóstico tinha 1 ano e seis e ainda amamentava. “Como ela ainda era muito pequena, não houve um momento em que eu ‘contei’ sobre a doença. O que eu fiz, quando comecei a me sentir mais forte emocionalmente, foi contar uma história dizendo que a mamãe precisaria passar uns dias no médico, que ela ficaria com a vovó e o papai, e, quando a mamãe estivesse melhor, voltaria. Falei que ela já era grande e não precisava mais do ‘pepe’, como chamávamos o peito. Então, toda noite antes de dormir, eu contava essa história para, na linguagem dela, começar a entender que eu precisaria ficar longe por uns dias”, lembra.

Ser mãe teve dois lados nesse momento. “Uma coisa que ouvi desde o começo foi: ‘Ainda bem que você teve ela antes, filhos nos dão muita força para lutar’. Eu até entendo o que as pessoas queriam dizer. E realmente, ser mãe me transformou completamente, sou muito mais ‘forte’ depois que me tornei mãe”, diz Ana Luiza.

Mas, também há uma outra perspectiva. “O que ninguém te diz é a dor imensurável que é olhar para seu filho e pensar que você pode não estar mais aqui amanhã, e ele vai ter que crescer com a dor de não ter sua mãe por perto. Acho que só uma mãe e um pai podem entender esse medo de ‘não estar aqui’ pelos filhos… De todas as dificuldades e desafios da doença, esse sem dúvidas foi o maior deles”, lamenta.

“Lembro de ver minha filha pela primeira vez depois do diagnóstico e só conseguir chorar compulsivamente porque não queria que ela sofresse! Ela é minha vida e sou muito grata por tê-la. Porém, isso não me fez mais ‘forte para enfrentar o câncer’. Às vezes, até acho que me fez ter mais medo em alguns momentos”, diz. “Lembro-me de acordar, no dia da cirurgia, e amamentá-la pela última vez e me despedir para passar os próximos dias no hospital… Durante esses dias, ela ficou na casa da minha sogra para que meu marido e minha mãe pudessem dormir comigo no hospital”, adiciona.

O apoio da família foi fundamental. “Meus irmãos, cunhados, pais, sogros, meu marido, todos se revezaram entre cuidar de mim e dar muito amor para minha filha para que esse momento fosse mais leve para nós duas”, afirma.

‘Mudou completamente minha maneira de ver a vida’

Felizmente, a equipe médica de Ana Luiza conseguiu remover todo o tumor e ela realizou sua última sessão de radioterapia em 20 de março de 2024. “Minha família estava me esperando com cartazes, com flores e presentes para me abraçar e comemorar comigo o fim da parte mais difícil do tratamento! Quando vi todo mundo lá, junto, caí em lágrimas e ainda caio toda vez que me lembro desse dia”, ressalta. “Seguimos acompanhando e, graças ao bom Deus, sigo sem nenhum sinal de retorno do tumor”, celebra.

A dentista acredita que a luta contra o câncer foi transformadora. “Mudou completamente minha maneira de ver a vida, de me relacionar com as pessoas, comigo mesma, com Deus, com a maternidade… Eu pude sentir na pele o medo e a dor da possibilidade de perder tudo, e me mostrou o quanto nós nos importamos com coisas tão pequenas no dia a dia. Como nos preocupamos por coisas que não merecem nossa atenção. Reforçou para mim o quanto minha família é incrível”, destaca.

Ana Luiza afirma que o seu diagnóstico a fez enxergar a maternidade com muito mais leveza. “Eu era muito preocupada em estar fazendo a coisa certa o tempo todo e quase não curtia o momento. Um exemplo disso, foi a amamentação que levei a ferro e fogo, pois ‘tinha que ser’ livre demanda até os dois anos, mesmo que aquilo estivesse me consumindo… Fim da história? Ela precisou ser desmamada abruptamente com 1 ano e meio. Ou seja, achamos que temos, mas a verdade é que não temos controle de nada”, diz.

Agora, ela busca estar presente para Cecília, hoje com 2 anos e 11 meses, da forma que pode. “Me fez sair daquele papel de mãe que quer fazer tudo conforme o ‘livro’ manda e me conectar muito mais com a minha filha e com a mãe que ela precisa que eu seja”, finaliza.

 

 

 
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