COP16 da biodiversidade retorna na próxima semana em meio a impasses sobre recursos

ROMA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Suspensa em novembro em meio à falta de acordo sobre financiamento, a 16° conferência das Nações Unidas para a Biodiversidade, a COP16, será retomada de 25 a 27 de fevereiro em Roma, na Itália.

As discussões sobre a distribuição de recursos serão, mais uma vez, o principal tema do encontro, que acontece em um contexto geopolítico ainda mais desafiador, com sucessivos reveses na agenda ambiental.

A COP16, realizada em Cali, na Colômbia, teve um desfecho caótico diante do desentendimento entre países ricos e nações em desenvolvimento acerca do mecanismo financeiro da convenção.

Sem consenso, os debates se arrastaram para além do prazo previsto para o fim do encontro. Após seguir pela madrugada, a sessão final acabou interrompida de manhã por falta de quórum pela presidente da conferência, Susana Muhamad, ministra do Meio Ambiente da Colômbia.

“Muitos países em desenvolvimento participam com recursos ofertados pela convenção e já estavam com passagens marcadas. A alteração do horário desses bilhetes teria um custo muito alto. Então, acabou havendo um esvaziamento da plenária”, detalha Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, que acompanha as negociações sobre biodiversidade e esteve em Cali para a conferência.

“Eram decisões importantes que estavam na mesa e, por uma falta de quórum, a COP16 foi encerrada abruptamente, sem ser concluída”, relembrou.

Os 196 países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) têm agora a missão de chegar a um acordo para mobilização de recursos para o período até 2030, garantindo o financiamento adequado das metas do Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, aprovado na conferência anterior, em 2022.

O principal ponto de tensão é a proposta, feita pela presidência da COP16, para a criação de novo fundo de financiamento no âmbito da CBD. O atual modelo de mobilização de recursos é duramente criticado pelos países em desenvolvimento, que concentram a maior parte das grandes áreas de biodiversidade do mundo.

“Desde a origem da Convenção sobre Diversidade Biológica, há 33 anos, existe essa questão de que ela deveria ter um fundo específico para poder fazer frente às crises de perda de biodiversidade”, disse Michel Santos.

O gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil relembra que, inicialmente, optou-se pela utilização de um mecanismo já existente –o Fundo Global para o Meio Ambiente, mais conhecido pela sigla em inglês GEF- para receber os recursos iniciais.

“Isso foi feito sob uma perspectiva de revisão, de que isso seria temporário. Passaram-se 33 anos e o temporário ficou permanente. Então, essa é uma questão que está pendente para essa COP16.2.”

Enquanto nações em desenvolvimento defendem o novo mecanismo, o grupo dos países ricos, responsáveis por aportar os recursos, têm sido refratários à ideia, pedindo o reforço do sistema já existente.

“É preciso deixar de lado a obsessão pelos fundos”, disse a ministra do clima francesa Agnès Pannier-Runacher, em reportagem da AFP. Ela defendeu o desenvolvimento de “créditos de biodiversidade” para mobilizar o financiamento privado.

O volume de dinheiro é outro ponto de tensão. O texto final acordado na COP15 previa que os países ricos deveriam contribuir com US$ 25 bilhões (cerca de R$ 143 bilhões) anuais até 2025, passando depois para US$ 30 bilhões (aproximadamente R$ 172 bilhões) até 2030.

Ambientalistas e governos, inclusive o do Brasil, afirmam que os repasses ainda estão muito aquém desse valor. O Fundo Global de Biodiversidade tem cerca de US$ 407 milhões (R$ 2,3 bilhões).

Além da questão financeira, o prolongamento da COP16 tem ainda outros pontos na agenda, como a discussão e revisão do plano de monitoramento para as metas de biodiversidade e a aprovação do próprio orçamento para o funcionamento do secretariado da convenção.

Especialistas e diplomatas reconhecem, contudo, que o cenário para um acordo é complexo, com uma conjuntura internacional ainda mais desafiadora do que na primeira parte do encontro.

Um dos principais pontos de disrupção foi o retorno de Donald Trump à Casa Branca. O republicano vem implementando uma série de ações refratárias à agenda ambiental, com reflexos tanto no posicionamento de outros governos quanto no de empresas.

País anfitrião da cúpula e responsável por sua condução diplomática, a Colômbia também enfrenta desafios domésticos. Uma crise política já levou à demissão de vários ministros, incluindo a presidente da COP16, Susana Muhamad, que anunciou, há duas semanas, que entregaria o cargo no governo.

Um dos países com maior biodiversidade do mundo, a Colômbia teve alta no desmatamento em 2024. Dados anunciados nesta sexta (21) revelaram aumento de 35% em relação ao ano anterior. Em 2023, o país havia registrado o menor número de perda de cobertura florestal em 23 anos.

Apesar das perspectivas difíceis, Michel Santos afirma que a COP16 já conseguiu resultados importantes, como a criação de um programa de trabalho conjunto sobre biodiversidade e clima, e um outro para biodiversidade costeira, marinha e de ilhas.

Outro destaque é o chamado Fundo Cali, que tem como objetivo o compartilhamento dos benefícios das informações de sequência digital (DSI) sobre recursos genéticos.

Descrito como “inovador e revolucionário” no material de divulgação da convenção, o instrumento será apresentado com mais detalhes na terça (25). O instrumento incentiva que empresas de setores como farmacêutico e de cosméticos, contribuam com parte dos lucros para a conservação da biodiversidade.

Metas do Brasil

A menos de uma semana da retomada da COP16, o Brasil deu um passo para a consolidação de seu plano de proteção e recuperação da biodiversidade. O Diário Oficial de quarta-feira (20) trouxe a publicação de 23 metas para a proteção e regeneração da biodiversidade da Conabio (Comissão Nacional da Biodiversidade).

Elas integram a chamada a Estratégia e Plano de Ação Nacional para a Biodiversidade do Brasil. Também conhecido pela sigla Epanb, esse instrumento é um compromisso assumido pela comunidade internacional na COP15, em 2022, e representa a formalização das estratégias de cada nação para a preservação e regeneração de seus ecossistemas.

A Conabio, contudo, tem apenas caráter consultivo. Para que as medidas sejam devidamente integradas ao arcabouço legal brasilero, ambientalistas recomendam a edição de um decreto presidencial.

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