Nada como um dia atrás do outro: “O fantasma do Mercadante de Sarney”

Jornalista Rodolfo Borges:

“É chegada a hora, quase três semanas depois de Lula cobrarde seus ministros soluções mágicas para conter a inflação dos alimentos, de evocar o jovem Aloizio Mercadante do Plano Cruzado.

Aliás, foi o próprio presidente da República que o evocou, ao dizer que ‘uma das coisas mais importantes para que a gente possa controlar o preço é o próprio povo. Você sabe disso. Se você vai no supermercado aí, em Salvador, e você desconfia que tal produto está caro, você não compra. Ora, se todo mundo tivesse a consciência e não comprar aquilo que ele acha que está caro, quem está vendendo vai ter que baixar [o preço] para vender, porque senão vai estragar. Olha, esse é um processo que a gente não precisa falar, porque isso é da sabedoria do ser humano”, disse Lula em entrevista a rádios da Bahia na quinta-feira, 6.

A declaração de Lula foi a penúltima de uma série de pérolas de seus ministros, que já sugeriram que os brasileiros trocassem a laranja por outras frutas mais baratas e cogitaram mudar as regras sobre a data de validade dos produtos — o que não seria necessariamente ruim, em outro contexto.

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, voltou atrás após prometer ‘intervenções para o barateamento dos alimentos’, mas, como mostrou Lula na entrevista de quinta-feira, essa perspectiva segue no horizonte do governo. E tem até senador petista propondo tabelamento de preços.

Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, foi o último a entrar na dança, ao dizer que o governo estudava um reajuste no Bolsa Família para combater a inflação dos alimentos. Como algo do gênero teria o efeito oposto, o governo correu para desentir o plano..

A mensagem do governo Lula não é muito diferente da passada na época do governo José Sarney (1985-1990) por Mercadante, hoje presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) graças à complacência do Supremo Tribunal Federal (STF) com um deible na Leimdas Estatais.

‘Esse era o Brasil da inflação, esse era o Brasil do cruzeiro. Quando você vinha para o supermercado fazer suas compras, a cada dia, a cada semana, todos os meses, os preços iam aumentando. Se ia comprar um pacote de Maizena, um mês depois era 15% a mais. Agora não, nós estamos vivendo o Brasil do cruzado’, celebrava Mercadante, com um adesivo da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no peito, em vídeo de 1986, da Rede TVT, que virou um clássico.

‘Vamos ver aqui, neste supermercado, se isso realmente está acontecendo. Leite Ninho, que é um produto fundamental para a criança. Os preços estão congelados? Se a gente abrir essa lista, nós vamos ver Leite Ninho, em pó, Ninho, 14,75 cruzados. A gente pega essa lata: 14,75 cruzados. Quer dizer, o Leite Ninho está tabelado por este supermercado. A Maizena está tabelada, e vários produtos que nós acabamos de conferir realmente estão tabelados’, diz o repórter Mercadante, com um microfone na mão, enquanto passeia por um supermercado.

Durante a reportagem, o economista da CUT reclama da falta de produtos nas prateleiras  quem poderia imaginar que o controle de preços levaria a algo assim? —, e a atribui a más intenções dos empresários, da mesma forma como Lula e seus ministros fazem agora.

‘O Brasil em que a dona de casa, na maioria das vezes, vai fazer a compra com uma lista da Sunab, com uma lista do governo, que fixou os preços dos produtos, que congelou os preços… Aqui havia chocolate granulado. Este é o último pacote de supermercado e não vai chegar, não vai chegar mais, pelo menos nós recebemos essa informação’, lamenta Mercadante.

‘Nesta prateleira está faltando cevada, Mate Leão, na outra, detergente, faltou carne, faltou leite, vários produtos não estão chegando na casa da dona de casa. E, principalmente, os remédios estão faltando. Por que que isso está acontecendo?’, questiona o representante da CUT, para responder:

‘Porque as grandes empresas, os grandes empresários, diante do congelamento dos preços, estão deixando de produzir alguns produtos, não estão entregando para os fornecedores. para pressionar que os preços voltem a subir.’

O vídeo de Mercadante entrou para o anedotário econômico brasileiro não apenas por cristalizar um dos equívocos pelos quais o país teve de passar para chegar ao bem-sucedido Plano Real.

Na tentativa de defender o tabelamento de preços, a gravação trouxe embutidas suas consequências — e deixou evidente também a dificuldade do autor da ‘reportagem’ de compreender e aceitar a dinâmica de preços.

Infelizmente, nem todo mundo aprendeu a lição, inclusive o atual presidente da República.”

 
 
 
 

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