Riqueza, força política e impacto ambiental: quem é Carlos Suarez, o Rei do Gás

Entre poder e dinheiro, o recurso mais invejado por amigos, admiradores e opositores de Carlos Suarez é sua capacidade de permanecer fora dos holofotes enquanto exerce forte influência na política, seja baiana ou nacional.

Por quase três décadas, o empresário, de 73 anos, se manteve longe dos holofotes midiáticos, enquanto tocava seus negócios milionários no setor de gás – o que lhe rendeu o apelido de ‘Rei do Gás’.

A derivação vem pelo controle que detém em oito empresas distribuidoras, com autorização de transporte por gasoduto em estados do Nordeste (Piauí e Maranhão), Norte (Amazonas, Pará, Rondônia e Amapá) e Centro-Oeste (Goiás), além do Distrito Federal. Em 2013, a revista Exame o apresentou como um investidor com ganho de 1.300% em sete anos, citando pelo menos 35 empresas ligadas a ele.

Nos últimos anos, entretanto, Carlos Suarez passou a ser mencionado com mais frequência em coberturas jornalísticas, interessadas em desnudar sua força econômica e política. Mesmo com a lupa apontada para seus negócios, as publicações que o mencionam em geral não expõem uma fotografia sua. A ilustração que abre esta reportagem foi feita sobre uma imagem dele obtida pela reportagem.

Esta reportagem da Agência Pública detalha como ele e parceiros tomaram conta da Ilha dos Frades. A ilha paradisíaca de 8 quilômetros de extensão, localizada na Baía de Todos os Santos, em Salvador, passou a ser ocupada  por  empreendimentos de alto padrão, como se fosse um grande resort particular.

Em agosto de 2022, nos autos de uma ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal e Ministério Público da Bahia, a Justiça Federal condenou o Rei do Gás e outros 11 réus a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões por uma série de danos causados à Ilha dos Frades, área que, durante o período do Brasil Colônia, foi um importante entreposto para o desembarque de escravizados vindos de Daomé e do Benin, na África. Antes de serem comercializados para os senhores de engenho, eles ficavam um tempo na ilha para se recuperar da longa travessia forçada pelo Atlântico.

No livro Um Defeito de Cor, best-seller escrito por Ana Maria Gonçalves e que inspirou o samba-enredo da Portela no Carnaval de 2024, a ilha é citada como parte da saga da personagem Kehinde dentro de um navio negreiro.

Atualmente, a Ilha dos Frades seria  “dominada” por Carlos Suarez, como afirmam  o Ministério Público do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal, autores da ação civil pública na Justiça, além de moradores, comerciantes, pescadores e barqueiros que mantêm vínculos com o lugar.

Com o argumento de preservação ambiental, nada pode ser construído na ilha sem a autorização do “espanhol” – segundo apelido que o acompanha, este pela ascendência ibérica – e da sua filha, a advogada Isabela Suarez, atual presidente da fundação Baía Viva.

A organização foi criada em 1999 e se define como “de direito privado, sem fins lucrativos” com intuito de “recuperar um dos maiores e mais representativos cartões postais da história da Bahia e do Brasil: a Baía de Todos os Santos”.

A fundação, que teve como primeiro presidente o próprio Carlos Suarez, também se diz preocupada em se apropriar “de forma positiva” da história e da cultura da baía, além de preservar a qualidade ambiental. Na Ilha dos Frades, a fundação determina as regras para a pesca local e contrata seguranças privados que usam quadriciclos para monitorar quem chega e sai da ilha.

Em setembro do ano passado, Isabela Suarez recebeu a Comenda 2 de Julho, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa da Bahia, pelo trabalho de preservação da Baía de Todos os Santos e junto às comunidades da Ilha dos Frades.

Privatização da ilha

Os moradores, entretanto, discordam que a ilha esteja de fato sendo preservada. Ainda em 2007, eles acionaram o MPF após uma série de intervenções feitas por um grupo de empresários, liderados por Carlos Suarez, para a exploração turística do espaço que teriam trazido degradação ambiental e os impedido de frequentar determinados espaços públicos.

Vista das embarcações a partir da igreja Nossa Senhora do Guadalupe

Segundo registra a ação civil pública, entre os espaços bloqueados está um píer de embarque e desembarque de passageiros próximo à Igreja de Nossa Senhora de Loreto. O processo aponta que foi colocada uma cerca com boias em algumas praias, o que impediu “o acesso de visitantes e comércio de barraqueiros”.

A ação cita ainda a suposta prática de crimes ambientais, como desmatamento da Mata Atlântica, supressão de matas ciliares e “descaracterização da paisagem, em face da construção do cais em torno da praia e calçamento de trilhas”.

De acordo com a sentença proferida no caso, em 2008 o Ibama  constatou que foram construídos muros e tanques de alvenaria em área de maré, com “degradação direta e significativa do manguezal da região”.

No ano seguinte, técnicos da Gerência Regional do Patrimônio da União, juntamente à Polícia Militar da Bahia e ao Ibama, constataram a construção de um píer em uma área federal na praia de Loreto. O lugar estaria sendo utilizado de forma privada, “com uso de vigilância armada ostensiva e sem permissão para acesso de pessoas não autorizadas”, diz um trecho da decisão.

Ao todo, havia 18 réus no processo, entre pessoas físicas, jurídicas, o município de Salvador e as superintendências de Meio Ambiente e de Controle e Ordenamento do Uso do Solo, estas últimas acusadas de terem liberado licenças para atuação irregular na área.

Dos 11 condenados em primeira instância na ação civil pública , quase todos têm relação direta com o Rei do Gás. São eles: as construtoras Concic Engenharia, Patrimonial Venture, Haya Empreendimentos e Participações, Companhia Industrial Pastoril, a incorporadora Patrimonial Ilha dos Frades, e a Fundação Baía Viva, além de Gustavo Pedreira de Freitas Sá, Eliomar Machado de Freitas, Humberto Riella Sobrinho e André Luiz Duarte Teixeira.

A condenação foi “solidária” — ou seja, todos são responsáveis pelo pagamento de R$ 5 milhões. Os condenados recorreram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, e conseguiram o efeito suspensivo da decisão de primeira instância, enquanto aguardam o julgamento das apelações. A última movimentação do processo, segundo apuração da Pública junto à Justiça Federal da  Bahia, ocorreu em fevereiro de 2023, com a remessa dos autos para segunda instância.

Na ação, consta que a Fundação Baía Viva foi responsável por construir um muro de alvenaria, estruturas de drenagem e cercas de arame farpado em praias e mangues.

A defesa da Fundação justificou que detinha um alvará da Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo de Salvador, para realizar as obras. No entanto, segundo um relatório técnico da Secretaria do Patrimônio da União, o documento autorizava a recuperação de vias e a construção de galerias, mas não as contenções em área “de uso comum do povo”.

“O que tem acontecido por lá é um acelerado processo de gentrificação, quando pessoas mais ricas chegam num espaço e isolam ou excluem os mais pobres”, avaliou Marcos Brandão, advogado e integrante do Conselho Pastoral dos Pescadores.

Feudo medieval

Até hoje,  na Ilha dos Frades, as mesmas boias amarelas, içadas por cabos de aço e presas a estruturas de ferro, continuam bloqueando a aproximação de barcos na área da Igreja de Nossa Senhora de Loreto.

Isso força os barqueiros que levam turistas a atracarem em um píer particular, ao custo de R$ 25 por passageiro. Os condutores que se negam a pagar pelo desembarque só conseguem aproximação numa outra ponta da ilha, alguns quilômetros adiante.

Píer de embarque e desembarque de passageiros próximo à Igreja de Nossa Senhora do Loreto

As boias também cercam outras duas praias: Viração e Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe. Nesta última, concentram-se restaurantes caros (de culinária japonesa, espanhola e sorveteria italiana), um mirante, uma igreja reformada e algumas poucas barracas de praia. Os pouquíssimos ambulantes que trabalham no local contam que precisam ter autorização da Fundação Baía Viva para efetuar as vendas.

Guadalupe é a praia preferida dos turistas que visitam a Ilha dos Frades. Para desembarcar, também é preciso desembolsar R$ 25 por pessoa em outro píer privado. A areia da praia chama atenção pela limpeza exemplar. Na parte de cima, onde fica a vila de moradores, seguranças particulares fiscalizam a área em quadriciclos. E os vigias ficam diuturnamente em torres observando se alguém tenta ultrapassar as cercas que dão acesso a terrenos privados.

Em seus pouco mais de 8 km de extensão, a Ilha dos Frades está completamente murada – estrutura colocada pelos empresários–, o que lhe confere o aspecto de um feudo medieval. Em várias partes, quando a reportagem esteve no local, havia uma intensa movimentação de caminhões sem placa que adentram a região preservada de Mata Atlântica e saem com as caçambas carregadas de areia.

Questionado sobre qual obra estava sendo realizada ali, um vigia na Praia da Tapera disse que não sabia e não podia conversar. Afirmou apenas que havia uma recomendação expressa para não passar informações. “Só de eu estar conversando com vocês agora é ruim para mim. Podem achar que estou falando com os [policiais] federais”, afirmou.

Em contato mais recente com os moradores, eles pontuaram que a situação piorou rapidamente do fim do ano para cá, com a aceleração das obras, trazendo mais degradação ambiental e vigilância sobre os nativos.

“Outras praias começaram a ser muradas, como a Praia do Tobar, do Tobarzinho e Paramana. Quase 80% da ilha já está impedida de ser trafegada por nós, que nascemos aqui”, disse um deles em condição de anonimato.

“A ilha tem um dono”

Embarcações com turistas circulam no entorno da Ilha dos Frades

O clima em toda a ilha é de vigilância constante. É difícil encontrar alguém que aceite ser entrevistado. Uma moradora chegou a dizer que a ilha tem um dono. Mas ao ser provocada a falar o nome do proprietário, titubeou. “Já esqueci até quem é…”

Um dos poucos que rompeu o silêncio foi Anselmo Duarte, ex-vereador do município vizinho de Madre de Deus, que tenta reaver um terreno na ilha para construir uma pousada.

“Tinha oito dias que eu tinha cercado o terreno e mandaram tirar. Eu não entendi por que disseram que [a ordem] era da Fundação [Baía Viva]. Depois, veio uma ordem da prefeitura para a desapropriação como bem público para a construção de uma base da Guarda Municipal. Em duas oportunidades, eu tratei diretamente com André Teixeira [sócio de Suarez] e ficou quase tudo pré-estabelecido de resolver minha vida, mas não resolveram”, disse.

A reportagem contatou por telefone o filho de André Teixeira, que disse que passaria o recado para o pai. Até o fechamento da reportagem, Teixeira não respondeu ao pedido de esclarecimentos.

Outros dois moradores que aceitaram dar entrevista pediram a proteção do anonimato e que a conversa fosse feita pela internet dias depois — temiam retaliações, caso fossem vistos conversando conosco.

Eles afirmaram existir uma ação de grilagem na ilha e contaram que são constantemente impedidos de pescar por policiais ambientais. “Os caminhos centenários não existem mais. Ele [Suarez] fecha os caminhos que meus tataravós andaram. Hoje ele mete uma cerca, mete segurança e não deixa mais ninguém passar”, disse uma moradora.

Segundo os moradores, Suarez é o patrão de parte da mão de obra contratada, como vigias, caminhoneiros, seguranças privados e guias.

De acordo com dados do IBGE, do último censo realizado, a Ilha dos Frades tem uma população de 733 habitantes — a maior parte vive em Paramana, a única área com construções populares ainda de pé.

O presidente da Associação de Turismo da Ilha dos Frades, Cleber Vasconcelos, mais conhecido como Cacha Pregos, reclama que os ganhos dos moradores são ínfimos diante do lucro dos empresários que atuam em Frades.

“A gente ganha muito pouco com os turistas que chegam aqui. Quem vem não interage com os moradores locais, pois estamos isolados pela estrutura que foi construída para beneficiar os próprios empresários”, disse.

A declaração opõe-se ao discurso propagado por Isabela Suarez ao falar da contrapartida social oferecida pela Baía Viva à população. Em entrevista a uma rádio de Salvador, ela disse que tem se preocupado em ativar economicamente a ilha.

“É importante dizer que todo mundo que está lá hoje abraça a causa. Todo mundo [empresário] que se instala na ilha tem um pré-requisito para contratar mão de obra local”, afirmou.

Procuramos Isabela Suarez, que não respondeu às mensagens e ligações feitas durante a apuração desta reportagem.

Cenário paradisíaco para costuras políticas

A Ilha dos Frades é usada por Suarez também como cenário para costuras políticas. No Réveillon que marcou a chegada de 2024, o Rei do Gás organizou um encontro com dias de duração com a presença do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além de dois ministros de Lula – Celso Sabino, do Turismo, e Juscelino Filho, das Comunicações.

Escuna ancorada à margem de umas das praias da Ilha

Na lista de convidados, outros tantos acumulavam prestígio pelos cargos públicos, a exemplo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), e do senador Weverton Rocha (PDT-MA).  As informações foram primeiramente publicadas por Malu Gaspar, colunista do jornal O Globo.

Também estiveram presentes figuras como o empresário Ricardo Faria, do setor de granjas e grãos, Rodolfo Landim, então presidente do Flamengo, e o prefeito de Salvador, Bruno Reis, do União Brasil, além de 20 deputados federais, entre eles Elmar Nascimento (União Brasil-BA).

Apesar da alta densidade demográfica de figurões da cena política, houve pouquíssimos registros de fotos desse encontro – uma regra de etiqueta propagada pelo anfitrião.

Na época, Elmar Nascimento era um dos nomes cotados para ser o sucessor de Lira, mas, em uma grande costura política, acabou cedendo espaço para Hugo Motta (Republicanos), que ocupou a cadeira da Câmara no começo deste ano.

Outro fato que ilustra o poder político e econômico de Suarez é que, em dezembro do ano passado, ele contratou o ex-presidente Michel Temer (MDB) para ser representante da Cigás  – sua empresa distribuidora de gás no estado do Amazonas.

A companhia trava uma batalha judicial bilionária para tentar impedir que a Âmbar, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, assumam o controle da Amazonas Energia.

Outro projeto ambicioso do “espanhol” virou notícia em março deste ano, quando uma das empresas ligadas a Carlos Suarez tentou obter junto ao Ibama uma licença para construir uma usina termelétrica a apenas 35 quilômetros da Praça dos Três Poderes, em Brasília. No momento, por decisão judicial, a audiência pública que debaterá o assunto foi suspensa e não há nova data para ocorrer.

S de “Sombra”

Filho de mãe nascida na Galícia, região no extremo norte da Espanha, Carlos Seabra Suarez nasceu na Bahia e tem quatro irmãos. Em 1976, fundou a construtora OAS, ao lado de outros dois colegas da faculdade de engenharia da Universidade Federal da Bahia.

A marca foi escolhida a partir da inicial do sobrenome de cada um dos sócios: Durval Olivieri (O), César Araújo (A) Mata Pires e Carlos Suarez (S).

Olivieri vendeu sua participação antes de a empresa se tornar uma gigante do setor, acumulando obras de médio e grande porte que não interessavam à também baiana Odebrecht.

A OAS ganhou impulso e editais públicos a partir da força e influência política do ex-presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães, nomeado duas vezes governador da Bahia e também presidente da Eletrobrás, durante a Ditadura Militar. Mata Pires viria a se casar com Tereza, uma das filhas de ACM.

Diante da quantidade de obras tocadas pela empreiteira, a sigla OAS virou trocadilho para “Obras Arranjadas pelo Sogro” ou “Obrigado Amigo Sogro”.

Durante o governo de Fernando Collor, a OAS foi uma das empreiteiras envolvidas na farra de propinas pagas a Paulo César Farias, o PC Farias, tesoureiro do presidente impichado. Outras gigantes do setor também faziam parte do esquema, como Odebrecht, Andrade Gutierrez, Votorantim e Cetenco Engenharia.

No livro Notícias do Planalto, o jornalista Mario Sergio Conti narra um episódio em que o próprio Suarez teria atuado pessoalmente ao lado de PC Farias para ter informações privilegiadas sobre o lançamento de um edital público para uma obra federal em Santa Catarina.

Suarez passou exatos 20 anos na OAS. A força política de ACM deu ao genro Mata Pires mais poder dentro da organização e, com isso, as divergências com o “espanhol” pelo comando da construtora foram se tornando mais públicas e acaloradas.

Em 1996, a sociedade chegou ao fim. Suarez pediu seu desligamento do quadro de sócios. Um ex-funcionário do alto escalão da empresa relatou que o estopim foi uma reunião entre os dois em que Mata Pires teria arremessado um cinzeiro em direção a Suarez, que conseguiu se desvencilhar antes de ser atingido.

O “espanhol”, portanto, já não tinha mais vínculo com a companhia quando explodiram os casos de corrupção descobertos pela Operação Lava Jato, a partir de 2014.

Já fora da construtora, Suarez passou a se engajar no setor de gás, aproveitando a quebra do monopólio da Petrobras, admitida no país em 1997, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Um executivo da área de construção contou à Pública que, desde que se engajou no novo setor, Suarez elevou sua riqueza e passou a ser muito influente na política, tendo como marca a capacidade de se manter longe dos holofotes.

Utilizando um trocadilho, disse que o S, antes usado para compor a sigla da OAS, agora significa “sombra”. “Ele é igual ao gás que vende. Está sempre lá, mas ninguém nunca o vê”, afirmou o executivo.

A influência invisível de Carlos Suarez não se restringe aos corredores do poder em Brasília. Ele também teria exercido influência para a aprovação na Câmara de Vereadores de Salvador de projetos, propostos pelo então vereador Alexandre Aleluia (União Brasil), que flexibilizaram as regras de proteção ambiental em pelo menos oito áreas da capital baiana em janeiro de 2022.

Algumas das mudanças se referem às poligonais, que indicam o tamanho das Áreas de Proteção Ambiental a serem preservadas. A lei modificou o mapa do Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural em relação a seis ilhas da Baía de Todos os Santos, entre elas a Bom Jesus dos Passos e a Ilha dos Frades — duas áreas onde atua a Fundação Baía Viva.

A tramitação desse projeto, até ser votado em plenário, foi bastante atípica. Contrariando o rito legislativo, além de não constar na ordem do dia – fase da sessão em que são discutidas e deliberadas as matérias previamente organizadas em pauta –, ele não foi publicado em ata depois de aprovado.

Para a promotora Hortênsia Pinho, Suarez foi aprimorando os métodos ao longo dos inúmeros embates que travou com o Ministério Público da Bahia na área ambiental.

“Eles vêm se sofisticando. Não se faz mais nada na ilegalidade. Faz nas brechas da legalidade. Ele não vai fazer uma supressão de vegetação sem autorização. Ele vai mudar a lei. Se ele não consegue a licença, porque há uma vedação no artigo tal, ele vai e muda o artigo”, disse.

“Se ele já aterrou uma lagoa antes, agora só vai aterrar com liminar da justiça, com laudo que diga que ali não é uma lagoa”, completa.

Na época da aprovação do “projeto invisível” na Câmara de Salvador, o presidente da Casa era o hoje vice-governador da Bahia, Geraldo Jr., do MDB, então ligado ao grupo do prefeito Bruno Reis, do União Brasil.

Geraldo Jr. tem estreitas relações com a família Suarez e constantemente publica ou aparece em postagens ao lado da presidente da Baía Viva.

Em março de 2022, de forma repentina, rompeu com o grupo de ACM Neto e de Bruno Reis e foi indicado para o cargo de vice-governador na chapa do PT, encabeçada por Jerônimo Rodrigues. Eles foram eleitos no segundo turno, com 52,79% dos votos, contra 47,21% de ACM Neto.

Um político, também sob condição de anonimato, disse que quem costurou a ida de Geraldo Jr. para o PT foi o próprio Suarez, ao lado do ex-governador da Bahia Jaques Wagner e do ex-ministro Geddel Vieira Lima – preso em 2017 (e condenado dois anos depois) após a Polícia Federal encontrar R$ 51 milhões de reais em dinheiro vivo em um apartamento ligado a ele, em Salvador.

A costura do vice-candidato na chapa do PT não foi a única participação de Carlos Suarez nas eleições de 2022. Uma consulta de dados do Tribunal Superior Eleitoral revela que o megaempresário doou R$ 750 mil nessa campanha.

Em 2010, ele e sua esposa, Abigail Suarez, doaram cada um R$ 250 mil ao petista Jaques Wagner, reeleito na ocasião ao governo da Bahia. À época, Suarez tocava importantes obras públicas no estado, como o Parque Tecnológico.

Em 2022, as doações foram para partidos de direita na disputa nacional, apesar da costura com a esquerda no âmbito estadual. Foram R$ 500 mil em aporte único para o diretório nacional do Republicanos — partido do Centrão que compunha a base do governo Bolsonaro.

Carlos Suarez foi procurado pela reportagem, por meio de seu advogado, Roberto Podval, que respondeu apenas: “Ele raramente dá entrevistas”.

Sobre a relação de Suarez com a Ilha dos Frades, Podval disse que “a ilha é reconhecida internacionalmente graças a um movimento elaborado para a sua preservação”. E complementou: “No Brasil – paradoxalmente – enfrenta obstáculos desnecessários”.

Pessoas próximas ao empresário dizem que ele não usa telefone convencional por temer interceptação telefônica. Para falar com seus sócios ou pessoas próximas, usa aparelhos de chamada via satélite sem conexão com a internet. Os aparelhos, relatam as fontes, são distribuídos por Suarez diretamente aos interlocutores, sob a garantia de jamais repassar o número adiante.

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