Trump intensifica a guerra tarifária com promessa de prosperidade, mas a realidade pode custar caro aos EUA

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Donald Trump está prestes a fazer da guerra tarifária a espinha dorsal de sua política econômica para os próximos anos. Em meio a uma narrativa populista e um discurso de soberania industrial, o ex-presidente e candidato republicano coloca tarifas, protecionismo e rivalidade com a China no centro de sua proposta de reconstrução nacional. Mas a lógica, embora politicamente eficaz, entra em conflito com a realidade econômica: os Estados Unidos não sofrem de falta de crescimento — e sim de uma distribuição profundamente desigual da riqueza.

A ofensiva tarifária não é nova. Desde seu primeiro mandato, Trump busca reduzir o déficit comercial, proteger setores industriais considerados estratégicos e estimular a criação de empregos dentro das fronteiras americanas. O discurso ganhou tração em meio ao descontentamento de milhões de trabalhadores deslocados pela globalização e pelas transformações tecnológicas. Mas a pergunta central continua: essas medidas resolvem a raiz do problema econômico americano?

Crescimento não é o problema

Os números mostram um país que cresceu de forma expressiva nas últimas duas décadas. Em 2008, o PIB dos Estados Unidos e da União Europeia estavam em patamares semelhantes, ambos em torno de US$ 14,5 trilhões. Em 2023, os EUA ultrapassaram os US$ 27 trilhões, enquanto a EU avançou para US$ 15,7 trilhões. A expansão americana foi impulsionada pela inovação tecnológica, dinamismo empresarial, acesso a capital e uma posição privilegiada na ordem global.

Mesmo os estados economicamente mais frágeis dos EUA apresentam renda per capita significativamente superior à média europeia. O Missouri, por exemplo, registrou US$ 53 mil em 2023, próximo à Alemanha (US$ 55 mil) e acima de países como Reino Unido, França e Itália. O diagnóstico de que os Estados Unidos estariam em estagnação não se sustenta empiricamente.

A desigualdade como vetor de tensão

O verdadeiro desafio americano está na má distribuição de renda e riqueza. O índice de Gini, que mede desigualdade (0 indica igualdade perfeita; 1, extrema desigualdade), situa os EUA entre 0,47 e 0,48 — patamar semelhante ao de economias emergentes como o Brasil (0,53) e bastante distante de países europeus com forte rede de proteção social, como Bélgica (0,26) e Países Baixos (0,27).

A desigualdade reflete-se na estrutura patrimonial: cerca de 38% da população americana não possui qualquer tipo de investimento em ações ou fundos de pensão. Para esse grupo, que constitui uma parte relevante do eleitorado de Trump, o crescimento do mercado acionário ou o aumento do PIB anual são estatísticas desconectadas da realidade cotidiana. O que interessa é renda disponível, acesso à saúde, segurança no emprego e custo de vida.

Tarifas: uma resposta míope?

A promessa de Trump é simples e sedutora: restringir importações, tributar produtos estrangeiros, obrigar empresas a “trazerem empregos de volta” e fortalecer o selo “Made in America”. A realidade, porém, é mais complexa.

A imposição de tarifas amplia o custo de bens importados — principalmente da China — afetando diretamente a classe média e baixa. Eletrônicos, medicamentos, autopeças, brinquedos, equipamentos médicos e bens de consumo duráveis são importados ou montados em cadeias produtivas globais interligadas, nas quais a China tem papel central. Cerca de 40% dos iPhones vendidos nos EUA são montados em território chinês. Produtos como ventiladores, ar-condicionado e bicicletas também vêm majoritariamente de fábricas asiáticas.

Diante do risco inflacionário e da insatisfação do consumidor, o próprio Trump já precisou recuar em alguns setores. Como lembrou o Financial Times, “o verão americano pode ser quente demais para sustentar a retórica de guerra”.

O blefe do “par de dois”

Scott Bessent, secretário de Comércio dos EUA, comparou a posição da China à de um jogador com um “par de dois” — uma mão fraca em pôquer. Mas analistas apontam que a analogia ignora a natureza do comércio internacional: não se trata de um jogo de soma zero. Na verdade, quem tem mais a perder não é o país que exporta, mas aquele que depende de importações para manter seu consumo e sua indústria funcionando.

A China tem alternativas. Pode redirecionar exportações, estimular o consumo interno, ampliar acordos com mercados emergentes e até aproveitar sua taxa de poupança doméstica — superior a 40% do PIB — para amortecer choques externos. Já os EUA enfrentam déficits gêmeos, endividamento crescente e uma estrutura produtiva fragmentada.

Retaliação chinesa: precisão cirúrgica

A resposta de Pequim é silenciosa, mas eficaz. Entre as medidas já adotadas ou em estudo:

-Restrições à exportação de terras raras, insumos indispensáveis para drones, semicondutores, turbinas e equipamentos de defesa;

-Diversificação do fornecimento de alimentos, substituindo a soja americana pela brasileira;

-Afrouxamento do controle sobre precursores do fentanil, agravando a crise de opioides nos EUA;

-Venda gradual de títulos do Tesouro americano, o que pressionaria os juros e poderia afetar o dólar como moeda de reserva.

Trata-se de uma resposta que combina cálculo político com pragmatismo econômico.

Patriotismo econômico ou miragem eleitoral?

Trump aposta na resiliência de seu eleitorado, convencido de que pagar mais por produtos chineses hoje é um preço justo por uma América mais independente amanhã. Mas essa lógica ignora que os custos são imediatos — e os benefícios, altamente incertos.

A reconstrução industrial americana exigiria investimentos bilionários, reorganização logística, capacitação de trabalhadores e tempo. Muito tempo. Não há como produzir um iPhone ou um motor elétrico competitivo em solo americano do dia para a noite.

Entre o xadrez chinês e o pôquer americano

Trump age como um jogador de pôquer, confiante no blefe. Mas a economia global funciona mais como uma partida de xadrez — e os movimentos da China são calculados com precisão.

A guerra tarifária pode gerar dividendos eleitorais no curto prazo, mas é improvável que produza ganhos estruturais para a economia dos EUA. Ao reverter décadas de integração global sem preparar antes o terreno doméstico, os EUA se arriscam a pagar um preço alto — e imediato — por um sonho de autonomia industrial que, por enquanto, permanece fora do tabuleiro.

*Coluna escrita por Fabio Ongaro, economista e empresário no Brasil, CEO da Energy Group e vice-presidente de finanças da Camara Italiana do Comércio de São Paulo – Italcam

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