Estudo aborda relação entre universidade e movimentos sociais

O pré-assentamento Elizabeth Teixeira, ocupado desde 2007, é um símbolo da luta pela reforma agrária e da produção agroecológica liderada por mulheres. Enquanto transforma a terra em sustento, buscando gerar renda através da venda direta de alimentos saudáveis, o grupo enfrenta desafios, como falta de infraestrutura e acesso limitado a políticas públicas.   Desde sua fundação, o assentamento – localizado em Limeira (SP) – tornou-se também um campo de estudo para pesquisadores e extensionistas da Unicamp e várias outras universidades brasileiras para desenvolver projetos acadêmicos. 

Mas qual tem sido o impacto real dessas pesquisas na vida das mulheres do Coletivo de Produtoras Elizabeth Teixeira (CPET)? Uma dissertação de mestrado defendida na Unicamp mapeou, pela primeira vez, os estudos desenvolvidos durante 16 anos dessa relação. Os resultados mostram parcerias transformadoras, mas também falhas graves no diálogo entre academia e comunidade. 

Desenvolvido por Marta Judith Zapata Chavarria, no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (ICHSA) da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), com orientação da professora Laís Fraga, o estudo combinou análise documental, mapeamento de produções acadêmicas e entrevistas com as agricultoras – uma delas, Clarisse dos Santos, compôs a banca de qualificação e de defesa da dissertação.

A autora do estudo Marta Chavarria (à direita) durante feira realizada na FCA
A autora do estudo Marta Chavarria (à direita) durante feira realizada na FCA

Chavarria, nascida na Colômbia, morou também na Argentina e agora no Brasil, sempre em conexão com a ruralidade. “Fiz o processo seletivo do ICHSA, me candidatei para ser bolsista e hoje estou aqui trabalhando como pesquisadora. No Brasil, moro numa casa da cidade de Limeira, com um quintal de terra, uma roça na cidade, onde acontecem as entregas do Grupo de Consumo Responsável do CPET, que liga as produtoras a consumidores urbanos”, conta a pesquisadora, que, por compromisso ético e militância com a causa, escolheu escrever a dissertação em português. 

O trabalho foi dividido em cinco etapas e reconstruiu a história do assentamento – batizado em homenagem a Elizabeth Altino Teixeira, líder das Ligas Camponesas na Paraíba –, analisando minuciosamente 48 trabalhos acadêmicos desenvolvidos sobre o território entre 2007 e 2023. A Unicamp aparece como principal parceira acadêmica, especialmente através de projetos como o Coletivo Universidade Popular, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP), o Grupo de Extensão Social e Tecnologia (GESTo) e o Programa Terra, – iniciativas que apoiam desde a comercialização dos produtos produzidos no território até formações técnicas.

No entanto, o trabalho de Chavarria revelou uma contradição marcante: enquanto pesquisas originadas através de ações de extensão universitária fortaleceram a luta das mulheres com a construção de vínculos afetivos e ações concretas, tornando-se referências mesmo anos depois de seu desenvolvimento, cerca de 50% das investigações acadêmicas simplesmente “desapareceram” após sua conclusão, ou seja, não apresentaram devolutivas ao coletivo. 

“As pesquisas que realmente prosperaram foram as que chegaram não para ‘estudar’ as mulheres ou para transmitir um suposto saber superior, mas para ouvir as necessidades reais do grupo, construir conhecimento coletivo e transformar a realidade junto com elas. O grande achado foi entender como relações baseadas em afeto e respeito – aquelas em que universitários realmente compartilharam a vida no território – deixaram marcas positivas que perduram até hoje”,  reflete a pesquisadora. Uma das mulheres do coletivo entrevistada por ela afirmou que chegou a jogar fora alguns trabalhos, pois “não retratavam nossa realidade”. 

Apesar do cansaço após anos de luta, o coletivo mantém as portas abertas à academia – desde que haja diálogo verdadeiro. “Precisamos de trocas onde ambos os lados aprendam”, defendem as agricultoras.  

Grupo de participantes do coletivo: transformação dos territórios
Grupo de participantes do coletivo: transformação dos territórios

Entre os legados positivos, destacam-se a criação do Grupo de Consumo Responsável e a participação do Coletivo em feiras na Unicamp, assim como o fortalecimento da agroecologia como alternativa ao agronegócio. Segundo a orientadora, Laís Fraga, “o trabalho de Marta também pode contribuir para o processo de inserção curricular da extensão que a universidade vem vivendo nos últimos anos, a partir do acúmulo de projetos e programas já desenvolvidos”.

A conclusão de Chavarria é um chamado à ação: “A relação entre universidade e movimentos sociais pode ser transformadora, mas exige romper com hierarquias de saber. É hora de construir uma academia que não apenas estude, mas se comprometa com a transformação dos territórios”. 

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