Progresso da China é baseado em longo processo histórico de organização social, defende sociólogo chinês

A apresentação de Qiu Zeqi abordou a continuidade histórica que conduziu a China ao status presente, o papel do país como nação soberana na ordem global
A apresentação de Qiu Zeqi abordou a continuidade histórica que conduziu a China ao status presente, o papel do país como nação soberana na ordem global

O sucesso da organização econômica e social da China contemporânea baseia-se em conceitos e políticas desenvolvidos ao longo de vários séculos de história, desde a unificação chinesa, na Dinastia Qin (221 a.C. a 206 a.C.), até a era de progresso no século XXI, que colocou o país entre as maiores potências do mundo. Essa foi uma das teses centrais defendidas pelo sociólogo Qiu Zeqi, professor da Universidade de Pequim (PKU, na sigla em inglês), durante uma palestra proferida na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira, nesta terça-feira (11).

Essa contextualização histórica mostra-se essencial para compreender como a nação ascendeu nas últimas décadas, afirmou Qiu, e como funciona o sistema de organização social do Estado moderno chinês. Docente do Departamento de Sociologia da PKU, o sociólogo cumpre uma agenda repleta de atividades como convidado do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente do Instituto de Estudos Avançados (IdEA), durante o mês de março.

A apresentação abordou a continuidade histórica que conduziu a China ao status presente, o papel do país como nação soberana na ordem global e como o conceito de “chinesidade”, que a distingue dos demais países, influencia suas relações no cenário mundial. O sociólogo explicou como a organização da sociedade chinesa evoluiu, desde a Dinastia Qin, quando havia um imperador governando o território unificado, mas delegando às autoridades locais algum grau de autonomia administrativa, até a significativa mudança ocorrida na Dinastia Song, a partir do ano 960, quando essa independência das regiões administrativas locais deixou de existir e as unidades familiares passaram a se reportar diretamente à burocracia do alto escalão do império. Segundo o cientista, a organização espacial e a organização social representam pontos centrais para compreender esse processo de evolução histórica.

“Na China, política e economia até agora nunca se dividiram. Elas se integram. Não conseguimos colocar a política à parte e apenas pensar na economia porque as duas estão sempre integradas”, defendeu Qiu, destacando o fato de a organização da sociedade em pequenas unidades familiares, algo que acontece na China há milênios, estar conectado com a estrutura tributária e com a forma como se dava a cobrança de impostos.

O conceito de público e privado entre os chineses é relativo, pois os recursos naturais, por exemplo, sempre pertenceram ao imperador e não a determinados grupos ou indivíduos. Essa concepção, afirma o sociólogo da PKU, enraizada na sociedade do país asiático desde a época imperial, tem relação direta com o sistema de organização da China moderna, que tem entre seus marcos a fundação da República Popular da China (RPC), em 1949. Para Qiu, o Estado moderno chinês baseia-se na tradição de uma “transformação criativa”, refletindo as práticas e experiências de seu passado na formulação de novas políticas públicas.

Na palestra, o cientista enfatizou a ação governamental para combater a pobreza, com resultados muito robustos, enviando servidores da burocracia estatal para liderar e gerir a administração de vilas locais de modo a superar as dificuldades econômicas. Atualmente a estrutura administrativa da China conta com Províncias, prefeituras, condados, cidades e vilas, organizando a vida de 1,4 bilhão de pessoas, a segunda maior população do mundo, atrás apenas da Índia. “A China atual é a continuidade de sua história de uma forma organizacional”, declarou o palestrante.

O sociólogo ressaltou como a China vem se empenhando para realizar inovações na esfera geopolítica, destacadamente no âmbito das colaborações Sul-Sul, dentro do conceito de Sul Global de países emergentes fora do eixo de influência dos Estados Unidos e da Europa. “Nós incluímos uns aos outros. Não nos colocamos uns contra os outros. Nós nunca achamos que ‘contra os outros’ seja benéfico para alguém.”

Qiu aponta a negociação sobre o Acordo de Paris, de 2015, como um dos casos que demostram a importância da ressonância no âmbito Sul-Sul e do diálogo civilizacional. “O Acordo sobre as Mudanças Climáticas foi proposto pelos Estados Unidos e países europeus. A China trabalhou muito para tentar alcançar aqueles objetivos, para tentar se colocar à frente desse movimento, e os europeus decidiram adiar suas metas. E os Estados Unidos se retiraram desse acordo. Vemos nesse acordo a China seguindo as regras, mas os Estados Unidos se retirando do acordo.”

Integração e pesquisas conjuntas

Um dos organizadores do evento, o professor Christiano Lyra, coordenador do IdEA, ressaltou a importância do fortalecimento das relações acadêmicas com a China, com destaque para o tema da inteligência artificial (IA), uma das áreas de estudo do convidado chinês. “Devemos fomentar as relações com a Universidade de Pequim e trabalhar conjuntamente para pesquisar o impacto da IA em nossas sociedades. Essa é uma nova área de pesquisa, muito importante, e nós queremos motivar os jovens pesquisadores brasileiros a produzir conhecimento sobre esse tema, inclusive em colaboração com a Universidade de Pequim.” Segundo Lyra, a participação do sociólogo chinês deve motivar também encontros com pesquisadores de outras universidades, como a Universidade de São Paulo (USP), e com autoridades do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O sociólogo Tom Dwyer, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCH) da Unicamp, disse, ao fim da apresentação, que a interculturalidade representa um dos maiores desafios nessa aproximação com os chineses. Um dos fundadores do Grupo de Estudos Brasil-China (GEBC) da Unicamp, Dwyer vê os latino-americanos e os demais ocidentais com dificuldades para compreender a China, e isso não só por conta do idioma e da herança cultural e religiosa, mas devido à falta de percepção sobre o peso da estrutura social do país asiático e de sua milenar história. “O problema é que, no Ocidente, vive-se uma era na qual tudo o que importa é o agora, o momento presente, ou seja, o passado é desconsiderado. Quando você vai para a China, é possível perceber a existência de todas essas camadas de história. Eu já estive em muitas vilas no interior do país e é possível perceber exatamente as estruturas explicadas pelo professor Qiu na palestra. O nível de autonomia administrativa das regiões é enorme, e isso, para nós, é muito confuso.”

Ao enfatizar a importância do estudo do mandarim e de conhecer pessoalmente a China, o diretor do Instituto Confúcio da Unicamp, Gao Qinxiang, fez um convite aos estudantes presentes na palestra. “A língua é uma barreira importante para a compreensão mútua entre os países. Temos que aprender mais sobre a língua e a cultura dos nossos países, Brasil e China. É essencial aprender a língua do país quando se quer conhecer aquela cultura, quando se busca entender mais sobre aquela sociedade.”

A palestra de Qiu, de acordo com o professor Rafael Dias, da FCA, um dos organizadores do evento, revelou como a milenar história da China conecta-se com as políticas modernas do país. Para Dias, há um grande equívoco entre os alunos de que o senso de comunidade do país é algo que teve início com a Revolução Comunista Chinesa, de 1949. Trata-se, segundo o professor, de algo muito mais antigo.

Digitalização na China

No dia 19 de março, às 10h, o cientista residente do IdEA fará uma segunda palestra, no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, abordando o processo de digitalização na China e suas implicações sociológicas. Qiu discutirá como o país moldou-se com a inovação e o uso da tecnologia digital em várias esferas, desde a constituição de uma infraestrutura digital, como ocorreu esse intenso processo de inovação tecnológica e quais suas aplicações na economia, na sociedade e no governo. Durante sua temporada na Unicamp, o sociólogo também participará de encontros acadêmicos e de um seminário no Departamento de Sociologia do IFCH, em interação com o GEBC.

Graduado pela Huazhong Agricultural University (HZAU), em 1981, Qiu concluiu o mestrado pela Graduate School of Chinese Academy of Agricultural Sciences (GSCAAS), em 1986, e o doutorado em sociologia pela PKU, em 1994. Suas principais publicações dizem respeito à área da sociologia, abordando temáticas da tecnologia digital. Entre seus livros estão Rebuilding Relationship of Individuals and Society with Digital Media (Peking University Press, 2024) e Technology and Organization Change (Economic Management Press, 2008).

Qiu é o oitavo convidado do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente, que já recebeu pesquisadores do Brasil e do exterior das áreas de humanas, exatas e das engenharias: o físico Francesco Vissani (2019, física e astrofísica de neutrinos), o físico e historiador Olival Freire Junior (2020, história das ciências), o físico Rogério Rosenfeld (2020, cosmologia), o engenheiro Mario Veiga (2022, planejamento energético), o classicista David Konstan (2023, estudos clássicos), a geóloga planetária Rosaly Lopes (2024, astronomia e geologia planetária) e o educador Jorge Bento (2024, lusofonia e esporte). O programa busca contemplar acadêmicos envolvidos em pesquisas inter- e multidisciplinares, dos mais diversos domínios do saber.

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