Poderá o progresso vencer os conflitos de interesse?

Poderá o progresso vencer os conflitos de interesse?Imagem criada por IA

“A integridade no governo é a base sobre a qual se ergue a confiança do povo. Sem essa confiança, nenhuma nação consegue prosperar por muito tempo.” – Lee Kuan Yew

Somos chamados a refletir sobre a mais desafiadora das batalhas nacionais: a luta contra a corrupção e os embaraços que turvam o caminho do progresso. A história nos ensina, com força inquestionável, que uma sociedade não se mantém por muito tempo em pé se o fundamento que a sustenta estiver apodrecido. Assim pensava Lee Kuan Yew, o grande arquiteto da moderna Singapura, que considerava a corrupção um veneno mortal, capaz de subjugar os sonhos de um povo inteiro. Cada propina recebida, em suas palavras, era um golpe contra a sagrada igualdade de oportunidades, maculando reputações e quebrando a espinha dorsal da economia.

Sua cruzada  contra esse mal insidioso foi determinada. Yew reforçou a máquina estatal com leis severas e armou o Corrupt Practices Investigation Bureau com poderes amplos, para que fosse implacável, mesmo ao perseguir os mais altos escalões. Criou também um sistema meritocrático e instituiu salários competitivos no setor público, reduzindo os incentivos para fraudes e subornos. Dessa forma, não apenas desmoronou a antiga estrutura de privilégios, como mostrou a todas as nações que o progresso, quando bem conduzido, tem a força de ofuscar qualquer conflito de interesse.

Na audaciosa empreitada de criar um sistema operacional de governança completamente novo, é comum surgirem vozes céticas, afirmando que “eles não vão deixar”. Por “eles”, podemos compreender corruptos e grupos cujo interesse profundo está em perpetuar privilégios, em descompasso com o bem comum. Propomos, neste breve guia, examinar algumas ideias para contornar esses desafios, explorando métodos como as Zonas Experimentais de Governança Autônoma (ZEGA), o modelo de Governança Paralela, o Modelo Evolucional Tradicional e o Modelo de Sociedade Virtual.

As chamadas Zonas Econômicas Especiais — ou SEZ (Special Economic Zones) — são exemplos de ilhas de ousadia econômica, estabelecidas para atrair investimentos e acelerar o desenvolvimento por meio de incentivos regulatórios e fiscais. Siglas como ZEED em Honduras e as Charter Cities seguem essa mesma rota, criando enclaves de prosperidade protegidos por leis e incentivos próprios, capazes de sacudir os alicerces envelhecidos de um sistema corrupto.

Aqui vamos empregar o termo ZEGA numa definição própria, mas, para efeito deste artigo, podemos tratá-lo como sinônimo de Zonas Especiais. 

Consideremos, um cenário em que o governo central seja ineficiente ou amplamente corrupto: ao criar áreas autônomas, torna-se muito mais simples atrair capital humano e investimentos estrangeiros, que acendem, por sua vez, a tocha do desenvolvimento em uma nova região. Tal crescimento econômico fortalece os governantes por meio de tributos mais robustos e, embora surjam críticas acerca da desigualdade — já que alguns se consideram “privilegiados” em detrimento de outros — o fato é que nenhum sistema é perfeito. E, como bem sabemos, se nos deixarmos paralisar pela busca de perfeições impossíveis, jamais ergueremos nada.

Em diversos pontos do globo, particularmente nas antigas colônias britânicas, francesas e portuguesas — Nigéria, Quênia, Senegal, Angola, Moçambique, entre outras — foi possível testemunhar uma justaposição de leis e tribunais de inspiração europeia ao lado de cortes consuetudinárias tradicionais, que preservam costumes locais em questões como casamento, sucessão e disputas de terra. Em nações de maioria muçulmana, como Malásia e Egito, tribunais seculares baseados em legislações modernas coexistem com tribunais religiosos (Sharia), encarregados de direito de família e sucessões.

Esta sobreposição de estruturas, longe de ser o ideal, pode aplacar grupos poderosos, mantendo seus impérios irrigados, enquanto cria mecanismos paralelos para melhorar processos onde o poder político se mostra mais frágil. Observamos fenômenos similares no surgimento das criptomoedas (que convivem, por ora, de forma relativamente pacífica com o sistema financeiro tradicional), ou ainda na tensão entre Uber e táxis, Airbnb e redes hoteleiras. Em certa altura, abre-se espaço para novos avanços, conforme as preferências da sociedade evoluem e a classe política, por interesse e astúcia, ajusta o compasso à nova melodia.

O método mais comum, e talvez mais árduo, é o Modelo Evolucional Tradicional: reformar o sistema a partir de seu próprio interior. Foi assim que inúmeras sociedades conquistaram igualdade de direitos para mulheres e minorias, e avançaram em matérias constitucionais, civis, criminais e tributárias. Contudo, depois de quinze anos de estudo sobre governança, estou convencido de que, embora seja crucial ter pessoas de boa-fé e inteligência nos postos de comando, sobretudo para conduzir os primeiros dois modelos, não se deve ignorar que interesses poderosos quase sempre se erguem contra a inovação.

A indústria de carruagens estremeceu ante a chegada do automóvel; fabricantes de lampiões e distribuidores de gás resistiram ferozmente à energia elétrica; e os lobbies de caminhoneiros, não raro, opõem-se à expansão ferroviária. Esse embate de forças específicas tende a sabotar projetos em benefício do interesse coletivo, resultando em soluções tão descaracterizadas que sua credibilidade se esvai. Políticos sagazes, cônscios desse risco, muitas vezes estendem debates ao limite, de modo a esgotar o fôlego de propostas arrojadas, deixando-as à beira do desânimo.

O quarto modelo, diríamos, habita o limiar entre a realidade e a ficção científica: um mundo virtual à semelhança de jogos como Fortnite ou Roblox. O cidadão cumpre suas obrigações locais, mas encontra, nesse espaço digital, a possibilidade de construir uma “segunda vida”, livre de algumas amarras geográficas ou políticas. Por mais excêntrico que pareça, o fato é que o mundo caminha para uma interconexão cada vez mais profunda, na qual propósitos e afinidades transcendem fronteiras territoriais. Caso essa jurisdição virtual conquiste legitimidade legal, podemos vislumbrar uma plataforma de compras conjuntas, negociações em parceria e desenvolvimento compartilhado, entre outras características desta sociedade virtual  — a intenção poderia ser até mesmo de criar uma segunda cidadania com reconhecimento internacional. Segundo a Henley & Partners, existem atualmente 560 milhões de usuários de criptoativos, número que supera a população de grande parte dos países do mundo, ou seja, esse grupo poderia ser reconhecido como uma sociedade virtual ativa, com suas próprias regras e líderes.

Na PRIME Society, vislumbramos criar as ferramentas para que cada cidade, estado ou nação — seja ela física ou virtual, privada ou pública — possa alcançar novos patamares de desenvolvimento. Não há, porém, progresso real sem liderança destemida, capaz de enfrentar os tubarões famintos das águas políticas. Precisamos de estadistas como Lee Kuan Yew, que levantem a bandeira contra o suborno e o conflito de interesses, para que a chama do progresso possa arder sempre mais forte.

Tem perguntas, críticas ou sugestões para o autor? Encontre-o no LinkedIn.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.